DOI: http://dx.doi.org/10.18601/01234366.n31.07
A relatividade do livre-arbítrio e a responsabilizaçao da industria do fumo.
A desconstruçao de um mito. Reflexões brasileiras a partir do caso United States v. Philip Morris et al*
La relatividad del libre albedrío y la responsabilidad de la industria del tabaco - la deconstrucción de un mito. Reflexiones brasileñas desde el caso Estados Unidos v. Philip Morris et al.
The Relativity of Free Will and Liability of the Tobacco Industry -Deconstruction of a Myth. Brazilian Meditations on the United States v. Philip Morris et al. Case
Eugênio Faoohini Neto**
** Doutor em Direito Comparado de la Università degli Studi di Firenze, Firenze, Italia; Mestre em Direito Civil (USP). Professor titular dos Cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da puc/rs, Brasil. Professor e ex-diretor da Escola Superior da Magistratura/AJURIS. Desembargador do TJ/RS, Brasil. Contato: facchini@tj.rs.gov.br
Fecha de recepción: 10 de abril de 2016. Fecha de aceptación: 9 de octubre de 2016.
Para citar el artículo: E. Facchini Neto, "A relatividade do livre-arbítrio e a responsabilização da indústria do fumo. A desconstrução de um mito. Reflexóes brasileiras a partir do caso United States v. Philip Morris et al.", Revista de Derecho Privado, Universidad Externado de Colombia, n.° 31, julio-diciembre de 2016, 189-225. doi: http://dx.doi.org/10.18601/01234366.n31.07
Resumo
O presente ensaio analisa um dos principáis argumentos invocados pela industria do fumo para sustentar a ausência de responsabilidade civil pelos danos causados pelo vício do fumo: o livre-arbítrio do fumante. Através da contribuição de outras ciências, procura-se demonstrar como os jovens, público-alvo preferencial das campanhas mercadológicas da indústria do fumo, foram extremamente vulneráveis às dolosas manobras da indústria do fumo para atraí-los aos seus produtos. Também demonstra os efeitos viciantes da nicotina e como ela praticamente neutraliza a capacidade racional de um adulto tomar a decisão de interromper o vício. Conclui-se pela relativização do principio do livre-arbítrio e pela possibilidade de responsabilização, ao menos parcial, da indústria do fumo pelos danos sofridos pelos fumantes.
Palavras-chave: responsabilidade civil, indústria do fumo, livre-arbítrio.
Resumen
Este ensayo analiza uno de los principales argumentos presentados por la industria tabacalera para apoyar la ausencia de responsabilidad por los daños causados por la adicción al tabaco: la libre voluntad del fumador. Valiéndose de la contribución de otras ciencias pretende demostrar cómo los jóvenes, público preferencial de las campañas de marketing de la industria tabacalera, es extremadamente vulnerable a las maniobras fraudulentas de la industria del tabaco para atraer hacia sus productos. También demuestra los efectos adictivos de la nicotina y la forma en que casi neutraliza la capacidad racional de un adulto para decidir dejar la adicción. Se llega a la conclusión de que el principio de la libre voluntad es relativo, y esta es la razón por la cual la industria del tabaco se hace responsable de los daños causados a los consumidores de sus productos.
Palabras clave: responsabilidad civil, industria tabacalera, libre albedrío.
Sumario: Introdução. I. O cigarro e seus males. II. As diversas ondas de demandas judiciais contra a indústria do fumo. III. O argumento do livre-arbítrio e sua relativização - o caso dos jovens. IV. A estratégia da indústria do fumo para continuar conquistando consumidores para seu produto e mantê-los cativos. V. A força da publicidade e a relativização do livre-arbítrio. VI. O argumento do livre-arbítrio e sua relativização - o caso dos adultos. VII. Livre-arbítrio para parar de fumar? VIII. O exercício do livre-arbítrio supõe informações suficientes e adequadas. IX. Um direito para homens, não para super-homens. Considerações finais. Bibliografía.
Abstract
This essay analyzes one of the main arguments put forward by the tobacco industry to support the absence of liability for damages caused by tobacco addiction: the free will of the smoker. Through the contribution of other sciences, it seeks to demonstrate how young people, targeted audience of marketing campaigns of the tobacco industry, were extremely vulnerable to tobacco industry maneuvers to attract them to their products. It also demonstrates the addictive effects of nicotine and how it practically neutralizes the ability of an adult deciding to stop the addiction. At the end, it sustains the relativization of the principle of free will.
Keywords: Tort liability, tobacco industry, free will.
Introdução
Poucos produtos fabricados pelo homem tiveram uma história de tão difuso e crescente êxito quanto o cigarro. Até aproximadamente seis décadas atrás não se sabia dos malefícios ligados ao hábito de fumar, o que explicava sua crescente expansão. A partir do momento em que houve uma maior conscientização de tais males e, principalmente, a partir do momento em que os países do primeiro mundo passaram a proibir ou restringir a publicidade do cigarro1, a tendencia come&ccdil;ou a se inverter.
Juntamente com políticas públicas relacionadas ao controle do tabaco, acões judiciais passaram a ser movidas contra a indústria do fumo, buscando responsabilizá-las pelas patologias e mortes associadas ao consumo de seu produto.
Especialmente nos Estados Unidos, demandas governamentais buscando o ressarcimento de gastos previdenciários para o tratamento de doenças tabaco-relacionadas chegaram a bom termo, com celebração de acordos bilionários em que a indústria do fumo concordou em ressarcir os entes públicos. Todavia, as ações individuais movidas por pessoas que contraíram doenças derivadas do consumo do tabaco, ou de parentes de vítimas fatais, não tiveram igual êxito ao longo de quase todo o século XX.
De fato, na segunda metade do século passado, milhares de ações individuais foram movidas principalmente nos Estados Unidos, mas praticamente todas foram mal sucedidas. Somente quase na virada do século passado e na primeira década deste é que a situação começou a mudar, com algumas pretensões indenizatórias sendo acolhidas judicialmente.2
Fato é que ao longo desta extensa expêriencia judicial, a indústria do fumo acumulou know-how, testando e descartando argumentos de defesa, até identificar aqueles que deram mais resultado e que são mais comumente acolhidos judicialmente.
Dentre os argumentos mais invocados, dois se sobressaem: um deles diz respeito à ausência de prova da presença de um nexo causal inequívoco entre o ato de fumar e a doença contraída pela vítima, já que quase todas as patologias são multifatoriais e, portanto, poderiam ter se desenvolvido por outras causas que não o vício do cigarro; o outro argumento diz respeito ao livre-arbítrio. Esse segundo argumento é singelo: as pessoas são livres e fumam porque querem, mesmo sabendo que o cigarro faz mal. Portanto, como todo ato de liberdade atrai a conexa responsabilidade, não haveria como transferir à indústria do fumo os males que alguém tenha contraído consciente e voluntariamente.
Cada um dos argumentos da indústria do fumo admite refutação, segundo penso. Nesse artigo, focarei especificamente um desses argumentos, qual seja, o do livre-arbítrio, buscando relativizar sua importãncia e tentando demonstrar a falácia do argumento, pelas razões que exporei.
Diante da extensão necessária para aprofundar o debate sobre essa questão, e considerando os inerentes limites a um artigo doutrinário, não nos estenderemos sobre os pressupostos da responsabilidade civil em geral, por pressupormos tal conhecimento por parte do leitor desta prestigiada revista.
I. O cigarro e seus males
Assistindo-se a filmes realizados ao longo do século XX, especialmente nos seus meados, impressiona a quantidade de cenas em que os principais protagonistas aparecem fumando. Por um lado, dir-se-ia que "a arte imita a vida", pois efetivamente era muito difundido o hábito de fumar. Por outro lado, sabedora de que "a vida imita a arte", a indústria de fumo durante décadas pagou para artistas e diretores introduzirem cenas de fumo nos filmes, como forma de publicidade subliminar, como hoje é sabido e documentado e será objeto de comentário mais abaixo.
De qualquer sorte, fumava-se intensamente. Era simplesmente uma questão de gosto. Ninguém parecia se incomodar com o cigarro e sua fumaça. Poucos falavam dos riscos à saúde.
Posteriormente a situação se inverteu: "o tabaco tornou-se o grande vilão e o inimigo principal da saúde pública, além de fator de exclusão de meios sociais, sendo identificado com maus hábitos de higiene"3. Como sintetiza Dallari4:
O consumo do tabaco e de seus derivados é um dos mais graves males que afetam o direito à saúde, que é um dos direitos fundamentais da pessoa humana, cuja proteção e efetivação é condição necessária para o gozo de muitos outros direitos, inclusive do direito a vida. Por essa razão, e tendo em conta que da disseminação do consumo de tabaco e do estímulo ao aumento do número de consumidores decorrem graves efeitos sociais, inclusive sobre pessoas que não são consumidoras diretas mas que sofrem os efeitos do tabagismo, impõe-se o controle do tabaco.
Vários produtos também são nocivos ã saúde, como é curial. Todavia, além dos gravíssimos - e muitas vezes mortais - efeitos relacionados ao uso do tabaco, há outras duas características que o distinguem dos demais: (a) o fato de o tabaco conter elementos desencadeadores de dependência química e (b) o fato de seu uso causar danos colaterais imediatos, lesando também aqueles que estão próximos aos consumidores de tabaco, tidos como fumantes passivos5.
Ou seja, não impressiona o argumento que por vezes surge em defesa de uma pretendida irresponsabilidade da indústria do fumo, no sentido de que existem outros produtos que igualmente são perigosos e potenciais (e reais!) causadores de mortes, mas que, apesar disso, são socialmente tolerados e até úteis. Dentre esses produtos, citam-se os automóveis e bebidas alcoólicas. Todavia, como acertadamente refere Gary T. Schwartz, um dos maiores tort lawyers norte-americano, "produtos como automóveis e álcool podem ser altamente perigosos, mas tais perigos normalmente resultam do seu uso abusivo ou de seu manuseio imprudente ou negligente. Cigarros, ao contrário, são altamente perigosos mesmo quando objeto de um uso regular e ordinário"6.
Aliás, a Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco, primeiro tratado internacional de saúde pública, elaborada sob patrocínio da OMS/ONU em 2003, objeto de adesão de praticamente todos os países do mundo, ratificada pelo Brasil em 2005 e incorporada ao direito positivo brasileiro através do Dec. n° 5.658, de 2 de janeiro de 2006, entre seus considerandos inclui os seguintes:
Reconhecendo que a ciência demonstrou de maneira inequívoca que o consumo e a exposição à fumaça do tabaco são causas de mortalidade, morbidade e incapacidade e que as doenças relacionadas ao tabaco não se revelam imediatamente após o início da exposição a fumaça do tabaco e ao consumo de qualquer produto derivado do tabaco;
Reconhecendo ademais que os cigarros e outros produtos contendo tabaco são elaborados de maneira sofisticada de modo a criar e a manter a dependência, que muitos de seus compostos e a fumaça que produzem são farmacologicamente ativos, tóxicos, mutagenicos, e cancerígenos, e que a dependência ao tabaco é classificada separadamente como uma enfermidade pelas principais classificacões internacionais de doenças.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, dados de 2011 revelam que anualmente morrem mais de 6 milhões de pessoas vítimas do tabagismo, sendo mais de 200 mil delas no Brasil. O século XX viu cem milhões de pessoas morrerem desta causa, mais do que mataram todas as guerras daquele século somadas", sendo que "das oito principais causas de morte no mundo, seis estão ligadas ao uso do tabaco"7.
Tais dados e informacões, hoje objeto de consenso científico, a medida que passaram a ser divulgados fizeram com que as pessoas se conscientizassem de que as doenças que desenvolveram estavam relacionadas ao vício do fumo e que lhes fora negada a informação disponível a respeito. Exatamente em razão dessas conclusões científicas, é que houve o deslocamento do tabaco para o status de objeto socialmente rejeitado, o que obviamente implica efeitos na esfera jurídica8. Ao longo da segunda metade do século XX, com destaque para os Estados Unidos, acões judiciais foram movidas, buscando responsabilizar a indústria tabagista pelos danos causados aos fumantes.
Existe verdadeiro oligopólio na indústria do fumo no mundo, com cerca de uma dezena de grandes produtoras. Quatro delas praticamente dominam o mercado mundial - Philip Morris Inc., R. J. Reynolds, Brown & Williamson e Lorillard. são elas que possuem a maioria do capital acionário de substancialmente todas as indústrias existentes nos diversos países. A política geral dessas empresas é fixada nas sedes dessas potentes multinacionais. As estratégias lá testadas posteriormente são replicadas nos diversos países que albergam suas subsidiárias. Por tanto, analisar-se o que ocorre nos Estados Unidos, neste âmbito, permite que se extraiam conclusões válidas também para as diversas experiências nacionais. É o que procurarei fazer neste artigo.
II. As diversas ondas de demandas judiciais contra a industria do fumo
As demandas contra a indústria do fumo não seguiram padrão único. Elas formaram "ondas"9 distintas. Os fundamentos variaram um pouco de uma onda a outra. Como no embate das ondas com o rochedo, não é a primeira, nem a segunda onda, que fará qualquer diferenca para o rochedo. É a sua repetição e insistencia que logra algum efeito. Somente por ocasião da terceira onda de demandas é que a situação come&ccdil;ou lentamente a mudar.
Todavia, apesar da lenta alteração do horizonte, fato é que as indústrias do fumo, desde o início, adotaram uma estratégica básica, da qual jamais se afas-taram nas décadas posteriores, ao enfrentarem novas ondas de demandas, nos Estados Unidos e em outros países: em demandas individuais, jamais transigiram, jamais negociaram acordos, jamais reconheceram qualquer parcela de responsabilidade10. Negar sempre, e veementemente, qualquer responsabilidade11: esse o mantra transmitido pela Diretoria de tais empresas aos seus advogados, que fielmente jamais se afastaram do script. Somente em acões movidas por entes públicos, para se ressarcirem dos ingentes gastos na área previdenciária para o tratamento dos milhões de pessoas que padecerem de males inequivocamente associado ao tabaco, é que celebraram acordos12.
Considerando que milhares de acões indenizatórias por danos individuais foram movidas tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil e muito poucas foram acolhidas, não se pode deixar de reconhecer que a defesa técnica da indústria do fumo tem sido bem sucedida13.
Ao longo dessa longa e bem sucedida caminhada de vencer disputas individuais, a indústria fumageira acumulou notável know-how técnico, praticamente padronizando modelo defensivo em que se ataca substancialmente os seguintes pontos, que realmente são cruciais para o êxito de uma demanda individual de responsabilidade civil por danos decorrentes do fumo:
- Ausência de provas concludentes e indiscutíveis de que a doença noticiada nos autos decorresse do hábito de fumar. Sendo o câncer uma doença multifatorial, não seria possível excluir a possibilidade de que a causa do tumor da vítima tivesse outra origem que não o fumo.
- Livre-arbítrio: as pessoas teriam liberdade e autonomia para começar e para parar de fumar.
- O cigarro não seria produto "defeituoso", nos termos do Códigpo de Defesa do Consumidor (CDC) (art. 12), pois se trata de periculosidade inerente e conhecida, inexistindo expectativa de seguranca da parte do consumidor. Natilde;o haveria defeito de concepção, de fabricação, ou de informação.
- Inaplicabilidade do CDC a fatos ocorridos em décadas anteriores; assim, inexistia dever de informar antes da legislação impositiva de tal obrigação.
Cada um desses argumentos pode ser refutado, segundo creio. Mas isso demandaria uma extensão incompatível com a de um artigo doutrinário, razão pela qual enfrentarei, nesse ensaio, apenas um deles, qual seja, o do livre-arbítrio. Estou enfrentando os demais em artigos doutrinários separados14.
III. O argumento do livre-arbítrio e sua relativização - o caso dos jovens
Um dos clássicos argumentos utilizados pela indústria do fumo consiste na invocação do livre-arbítrio. Segundo se afirma, as pessoas teriam liberdade e autonomia para começar e para parar de fumar - fumam apesar de saberem dos riscos do fumo. Por outro lado, a publicidade não seria impositiva e não compeliria pessoas a fumar.
Todavia, em primeiro lugar não se pode deixar de considerar que quase a totalidade dos fumantes comeca a fumar quando jovens. E sob qualquer ponto de vista, o suposto livre arbítrio de uma pessoa considerada (biológica, psicológica e legalmente) em formação, não pode ser levado realmente a sério, quando se trata de consequências que, a longo prazo, poderão acarretar uma vida miserável (do ponto de vista de sua própria saúde) ou a morte.
Segundo a psicóloga Monica ANDREIS e a médica cardiologista Jaquelina Scholz ISSA (Diretora do Programa de Tratamento ao Tabagismo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP),
... o termo livre-arbítrio tem sido utilizado para representar a possibilidade de livre escolha do ser humano. Supõe que o indivíduo seja dotado de plena capacidade de apreciação das opcões de escolha e tenha preservada a liberdade de agir de acordo com a sua vontade. Nada mais distante da realidade quando refletimos sobre a iniciação e manutenção do tabagismo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que 90% das pessoas começam a fumar ainda na adolescência. No Brasil, pesquisa do CEBRID15 apontou que a idade média de iniciação é de 13,3 anos. Assim, é preciso explicitar que quem decide experimentar produtos de tabaco, na esmagadora maioria das vezes, são crianças e jovens, e não adultos, no Brasil e no mundo todo16.
De fato, atualmente, "o tabagismo é considerado uma doença pediátrica, pois quase 90% dos fumantes regulares começam a fumar antes dos 18 anos17". E isto porque as pesquisas indicam que as pessoas que iniciam o tabagismo na adolescencia tem maior probabilidade de se tornarem fumantes definitivos do que aquelas que experimentam seu primeiro cigarro quando adultas. Estudos recentes comprovam que os sintomas de dependência se desenvolvem logo após o primeiro cigarro, não havendo relação com o número de cigarros fumados, ou com a freqüência e duração do uso18.
Embora o número de fumantes tenha diminuído em países desenvolvidos, especialmente entre as classes cultural e economicamente mais avantajadas, fato é que as multinacionais do fumo conseguiram, nos últimos 30 anos, articular a expansão do tabagismo em escala planetária, especialmente nos países em desenvolvimento, atingindo mais intensamente a população de baixa renda e escolaridade, mormente do meio rural. "Várias estratégias foram fundamentais para a disseminação dessa dependência química, entre elas, intensas atividades de marketing associadas a altos investimentos em tecnologias para tornar os produtos de tabaco cada vez mais aditivos e atrativos"19.
Em paradigmática ação judicial, movida pelos Estados Unidos contra as ii indústrias fumageiras em atividade nos Estados Unidos (conhecida como United States v. Philip Morris et al.), proposta em 1999, julgada em primeiro grau em 2006, mantida em grau de apelo em 2009, a juíza federal Gladys Kessler, em uma sentenca com 1.682 páginas20, analisou minuciosamente todas as dezenas de milhares de documentos que instruíram os autos e as centenas de depoimentos colhidos e concluiu que "a indústria está por trás da epidemia tabagista e atua em conjunto e coordenadamente para enganar a opinião pública, governo, comunidade de saúde e consumidores".
A juíza Kessler dedica 235 páginas (de fl. 972 a 1209) de sua monumental decisão para demonstrar, com base em farta documentação, de forma insofismável, que a indústria do fumo realmente tinha os jovens como público preferencial e que dedicou esforços e ingentes quantias para tentar conquistar crianças e jovens para o vício do fumo. Da leitura da sentenca extrai-se que, de forma contínua, desde os anos cinquenta os réus, e diferentes ocasiões e usando diferentes métodos, dirigiram propositalmente seus esforços de marketing para jovens com menos de 21 anos, a fim de recrutar "fumantes substitutos" que garantisse o futuro econômico da indústria tabagista. Constata ela que a indústria do fumo monitorava o comportamento dos jovens e usavam essas informacões para criar campanhas de marketing altamente sofisticadas, com o objetivo de incentivar os jovens a começar a fumar e a continuar fumando. Identificou ela provas de que os réus daquela ação (que são todas as indústrias do fumo, inclusive as proprietárias das multinacionais operando no Brasil, bem como em praticamente todos os demais países) procuraram manter sua lucratividade, atraindo os jovens para seu mercado, visando substituir com esses novos fumantes aqueles que morriam ou deixavam de fumar21.
A opção preferencial pelos jovens, como destinatários mais desejados para seus produtos, é facilmente explicável. O jovem é mais influenciável e suscetível a imitar comportamentos - portanto, a perfeita 'vítima' de campanhas publicitárias bem concebidas -, e representa um consumidor que provavelmente passará o resto de sua vida escravizado ao consumo, mercê do poder viciante da nicotina. De fato, segundo inúmeros estudos, "quanto mais cedo se dá a iniciação, maior a chance de tornar-se um fumante regular e menor a probabilidade de cessação"22.
Além disso, o jovem, pela suas próprias características psicológicas, não consegue ter uma longa visão do futuro. Seus interesses e preocupacões são imediatos, de curto/curtíssimo prazo23. O jovem vive o presente. Um futuro longínquo é apenas uma miragem. Danos potenciais que ocorrerão apenas nesse longínquo futuro equivale ao não dano, na sua percepção.
De fato,
... é sabido que os adolescentes apresentam muitas vezes uma baixa percepção de riscos, aliado a uma busca por novas sensacões e impulsividade, o que pode levá-los a tomar decisões imediatistas, sem avaliar consequencias de médio e longo prazo. As habilidades de tomada de decisão não podem ser consideradas plenamente desenvolvidas nesta etapa, daí não se aplicar o conceito de livre-arbítrio associado ao uso de produtos de tabaco por crianças e adolescentes". Por outro lado, "quanto mais cedo se dá a iniciação, maior a chance de se tornar um fumante regular e menor a probabilidade de cessação. Um agravante é que num período onde é frequente a busca de auto-afirmação, rebeldia e intenso desejo de sentir-se aceito e valorizado, a propaganda apresenta o cigarro como um passaporte para o sucesso e auto-realização. Associa o ato de fumar com independência, sedução e vivencia de novas experiencias. Campanhas memoráveis foram feitas para promover a venda de cigarros, utilizando imagens e mensagens de grande apelo entre jovens. E isso não é apenas algo do passado. As estratégias de marketing do produto se sofisticaram e diversificaran!24.
A própria OMS já constatou que os riscos do tabagismo são percebidos como muito distantes, facilmente compensados pelos benefícios psicológicos imediatos. Os jovens tendem ainda a subestimar a dependência de tabaco e as dificuldades associadas a cessação do vício. Somente mais tarde eles descobrirão que a dependência da nicotina continua muito tempo após qualquer benefício psicológico ter se esgotado25.26
Sabendo de tudo isso, a indústria do fumo deliberadamente direcionou suas campanhas de publicidade preferencialmente ao público dos jovens, buscando aproveitarse da sua maior vulnerabilidade27. Sabendo-se que depois de viciado (e o vício se instala rapidamente), não é nada fácil deixar de fumar, revela-se difícil compactuar com o entendimento de que os danos sobrevindos a saúde do fumante não deveriam recair sobre a indústria do fumo, mas sim sobre os pais daquele que comeca a fumar quando ainda menor de idade28.
Assim, considerar livre-arbítrio a opção de fumar ou não para um jovem entre 12 a 18 anos, exposto a intensa publicidade do cigarro, vale tanto quanto considerar livre e o consumidor que firma um contrato eivado de cláusulas abusivas porque, afinal de contas, havia a opção de não contratar29.
O item que segue focará sobre as demais estratégias, além do marketing explícito, atualmente proibido ou limitado, na maioria dos países. Mas outras estratégias de divulgação do produto continuam sendo largamente utilizadas para conquistar o consumidor jovem.
IV. A estratégia da indústria do fumo para continuar conquistando consumidores para seu produto e mantê-los cativos
Como visto, os documentos internos da indústria fumageira revelam que suas estratégias são direcionadas para adolescentes, caracterizados como fumantes aprendizes. O principal objetivo das novas tecnologias empregadas pela indústria do fumo é facilitar os primeiros contatos de adolescentes com os produtos até que se estabeleça a dependência química. É nessa perspectiva que se insere a tecnologia dos aditivos. Segundo dados disponíveis, atualmente a indústria do tabaco utiliza 599 diferentes aditivos nos seus cigarros30.
A estratégia adotada revelou-se eficaz: pesquisa feita com mais de 17.000 estudantes brasileiros de 13 a 15 anos de idade mostrou que os cigarros com sabor são os preferidos dos jovens31.
Relativamente aos aditivos - publicitados como inovacões tecnológicas que simplesmente melhoram a qualidade e o sabor do produto -, o que a indústria não torna público é que alguns desses ingredientes, como, por exemplo, o acú-car, além de ter o objetivo de melhorar o sabor e afastar a sensação de irritação causada pela fumaça do cigarro, também atua potencializando a capacidade de o produto causar dependência, e que alguns desses aditivos, após a combustão, transformam-se em substâncias tóxicas e cancerígenas32.
De fato, nos documentos internos da indústria do tabaco estão registrados dados fundamentais sobre a função da nicotina e sobre modos de intensificar a velocidade de sua absorção pelos fumantes, com o objetivo de torná-la mais potente em termos farmacológicos. Por meio de extensas pesquisas, as empresas fumageiras descobriram que a inclusão de amonia ou compostos com base de amonia como aditivos, no processo de manufatura, cumprem essa função. A adição de amonia aos cigarros figura como uma das mais importantes técnicas para aumentar o efeito da nicotina, pois aumenta a quantidade de nicotina "ivre" na fumaça e, portanto, a sua capacidade de atingir o cérebro33. Ao chegar ao cérebro, a nicotina produz uma resposta cerebral química por meio da liberação de dopamina e de outros neurotransmissores, que dão ao usuário a sensação descrita como impacto (kick). Com o tempo, os receptores cerebrais do fumante se condicionam a dose de nicotina esperada e, quando privados da sua presença, levam o fumante a experimentar os sintomas da síndrome de abstinência34.
Um dos problemas ligados à adição desses novos produtos, para tornar o cigarro mais atrativo, mais saboroso e mais viciante, é que o cigarro tornou-se ainda mais perigoso. Recente relatório do Surgeon General (maior autoridade em saúde pública norte-americana), de 2014, revelou que o fumante tem hoje mais risco de ter câncer de pulmão do que tinha em 1964, mesmo fumando menos cigarros!35
Como a potentíssima indústria do fumo reage as iniciativas públicas para tentar conter essa que é a maior causa evitável de mortes no mundo, alterando não só a forma de apresentar e divulgar seus produtos, como também modificando sua fórmula para atrair novos consumidores, especialmente jovens, para garantir a manutenção dos lucros futuros, também a OMS procura atualizar seus instrumentos, para tentar enfrentar eficazmente o poderoso inimigo.
Assim, em 2010, a quarta sessão da Conferencia das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco orientou os Estados-Partes da Convenção a proibirem ou restringirem "ingredientes que podem ser usados para aumentar a pa-latabilidade, tais como acúcares e doces, substâncias flavorizantes, temperos e ervas, em cigarros e produtos de tabaco similares a cigarros"36.
Outro argumento que deve ser invocado para neutralizar a força do princípio jurídico do livre-arbítrio diz respeito aos efeitos da publicidade sobre o processo de tomada de decisão. É disso que trata a seção seguinte.
V. A força da publicidade e a relativização do livre-arbítrio
A invocação do livre-arbítrio ignora a força da publicidade e de como ela influencia condutas.
De fato, ainda que atualmente a esmagadora maioria dos países ocidentais proíba ou limite a publicidade do tabaco, durante décadas todas as sociedades foram bombardeadas com macica e êxitosa propaganda direta. Além disso, a população foi e é exposta a uma propaganda ainda mais perniciosa, pois dissimulada, através do cinema e outras formas de comunicação social. Aliás, "as proibicões parciais só fazem com que as companhias desviem os grandes recursos de uma tática promocional para outra"37.
Notam os observadores que na medida em que evoluíram as acões pró-saúde, também evoluíram as técnicas e recursos de marketing (especialmente os subliminares e imperceptíveis)38, buscando alcancar o jovem em espacos familiares e de diversão (como cinemas, internet, revistas de moda, concertos de música e eventos desportivos)39.
A esse respeito, está amplamente documentada a forma como a indústria fumageira gastou fortunas para inserir em filmes, novelas, etc, cenas em que o "mocinho" ou a "mocinha" fumavam, insinuando glamour, inteligência, determinação, enorme prazer, etc.40.
Em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Distrito Federal houve o reconhecimento da enganosidade da peca publicitária do tabaco, bem como ficou evidenciada a estratégia da empresa de se utilizar de imagens subliminares. A sentença condenatória foi mantida pelo Tribunal de Justica do DF (Proc. N. 2004011102028-0), em substancioso acórdão de 75 laudas, sendo relatora a Desa Vera Andrighi, da 4a Turma Cível, que apenas reduziu o valor da condenação, de R$14 milhões para R$4 milhões41 a título de danos morais coletivos. Tal valor foi ulteriormente reduzido para R$i milhão através do Recurso Especial n. 1101949/DF, julgado pela Quarta Turma, em 10.05.2016, tendo como relator o Min. Marco Buzzi.
Como pontua Virgílio Afonso da Silva42, ancorado em sólidos estudos nacionais e estrangeiros, "a esmagadora maioria dos fumantes comeca a fumar ainda na adolescencia. não por coincidência, são essas as pessoas mais suscetíveis a influencia da propaganda em geral, e da propaganda de produtos derivados do tabaco em especial". Prossegue o professor paulista, dizendo que "imaginar que a propaganda de um produto não tem o poder de influenciar as suas vendas seria contrária a própria razão de ser da propaganda". E conclui: "a propaganda de produtos derivados do tabaco não é algo que realiza o direito a informação, mas, ao contrário, é algo que pretende convencer o indivíduo a comprar algo que faz mal a sua saúde, não importa de que forma, com que freqüência e em que quantidade for consumido".
Portanto, sem levar na devida consideração os efeitos reais, concretos e documentados da publicidade sobre o processo de tomada de decisão, é no mínimo uma ingenuidade invocar43 os ensinamentos de um Pontes de Miranda, de um Saleilles, de um Carvalho Santos, para defender o valor da autonomia da vontade, já que esses autores, ao tratar do tema da autonomia da vontade, preocuparam-se, como todos os de sua geração, apenas e tão somente com as questões dogmáticas e abstratas, numa época em que havia pouca interdisciplinariedade e o Direito desconhecia todos os insights e licões provenientes de outras ciências.
Em suma, "o livre arbítrio do fumante não é razão para excluílo do direito a indenização"44.
Mas se o argumento do livre-arbítrio é inconsistente quando se fala de jovens e adolescentes que se iniciam no hábito de fumar, pelas razões que acima referimos, tampouco tem a consistencia pretendida pela indústria do fumo o mesmo argumento quando referidos a adultos, pelas razões que exporei no item seguinte.
VI. O argumento do livre-arbítrio e sua relativização - o caso dos adultos
Numa sociedade livre e democrática, em que se reconhece ao indivíduo o direito de fazer opcões, escolhas, mesmo que prejudiciais a si próprio, o apelo filosófico e ideológico a liberdade sempre é agregador45.
Todavia, olhando-se mais de perto o argumento, percebe-se que não é tão sólido como os defensores da indústria do fumo gostariam.
Do ponto de vista normativo, em nosso direito, tratar-se-ia, inclusive, de uma falsa questão, como sustenta ClarISSA HOMSI, pois "o livre-arbítrio não está entre as excludentes de responsabilidade previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Aliás, toda a opção de consumo é feita por vontade do consumidor, portanto por seu livre-arbítrio"46.
Deixando de lado o argumento normativo e discutindo-se o livre-arbítrio do ponto de vista psicológico, fisiológico e sociológico, igualmente chegamos a conclusões diversas daquelas sustentadas pela indústria do fumo.
Em excelente tese de doutoramento, André Perin Schmidt Neto47 dedica um longo capítulo a questão da "Limitação a vontade racional". Trata-se de uma lúcida contribuição academica para a correta percepção dos limites do chamado livre-arbítrio. Peço venia ao ilustre jurista para reproduzir alguns trechos de sua tese.
Baseado em informacões provindas da psicologia comportamental, da biologia, da sociologia, refere André Schmidt que "o ser humano define quem ele é, imitando características que ele deseja possuir e aperfeicoando-as a sua maneira". Assim, aproveitando-se dessa característica humana "os publicitários promovem um produto, associando-o a um personagem famoso", de forma a criar no consumidor a ideia de que se 'fulano' consume aquele produto então ele também deve consumi-lo. Cita Guy Debord (A sociedade do espetáculo) ao referir a infantilidade da "necessidade de imitação que o consumidor sente". Mais adiante, conclui que "o chamado 'consumo conspícuo' é a prova de que o comportamen-to humano atende mais a estímulos externos do que a uma vontade independente". E prossegue: "Prova disso são os indivíduos absolutamente racionais que, no entanto, gastam fortunas em um produto, seduzidos pela propaganda e pelo marketing". Tal comportamento "tem uma lógica e um propósito: ser identificado por aqueles que comungam dos mesmos valores".
Tais informacões, ainda que não propriamente inéditas, são relevantes, a medida em que hoje se sabe quanto as multinacionais do fumo investiram na indústria cinematográfica para povoar o imaginário das pessoas com glamorosas cenas em que os protagonistas apareciam fumando.
Refere, também, que "amplas pesquisas têm demonstrado a influencia de diversos fatores irracionais que nos afetam a cada decisão, desde o subconsciente até fatores externos que nos induzem a não seguir a plena racionalidade". Mais adiante refere, apoiado em sólida literatura científica, que "os indivíduos supervalorizam benefícios e riscos imediatos e desvalorizam benefícios e riscos futuros". Basta pensar no mecanismo que nos leva a efetuar uma compra a prazo: obtém-se a vantagem imediata (aquisição do bem), com um custo futuro (pagamento posterior)48.
Nos Estados Unidos, o famoso relatório de 1964 do Surgeon General (Ministério da Saúde americano) tornou público que, do ponto de vista científico, era absolutamente incontroverso que o tabaco fazia muito mal à saúde49. Buscando neutralizar o impacto de tal relatório, a indústria tabagista procurou apoiar-se nesse mecanismo psicológico a que aludimos, procurando explorar os mecanismos da racionalização e da negação utilizados pelos fumantes, como deixa claro memorando interno expedido pelo então Vice-Presidente Executivo da Philip Morris: "No futuro, devemos dar respostas que oferecam aos fumantes uma muleta psicológica, uma racionalização para continuar fumando". Entre as "muletas" e 'racionalizacões' propostas constavam questões de teor médico, como "mais pesquisas são necessárias" e "existem contradicões" e "discrepàncias"50.
Ou seja, a indústria do fumo de forma deliberada e consciente usou de todos os recursos psicológicos disponíveis para "vender" seu produto, buscando quebrar as barreiras de uma saudável liberdade de escolha, neutralizando informacões de que tal produto seria maléfico e fornecendo falsas "muletas" para neutralizar os alertas cada vez mais abundantes e inequívocos provindos do meio científico.
Por outro lado, se é difícil ao jovem largar o hábito de fumar, tal possibilidade não fica nada mais fácil a medida em que ele envelhece, em razão do mecanismo do vício relacionado aos efeitos da nicotina. E aqui, novamente, falar-se em livre-arbítrio é olimpicamente desconhecer a realidade dos fatos.
E os fatos são os seguintes:
A privação de nicotina, mesmo que por poucas horas provoca sintomas de abstinencia. Os receptores "dessensibilizados" voltam a ficar responsivos e disto decorrem os sintomas de ansiedade e estresse que em geral levam o indivíduo ao desejo intenso de fumar - sensação de "fissura". Exatamente este desconforto provocado pela privação (reforco negativo) associado a perda do prazer de fumar (reforco positivo), faz com que muitos fumantes não tenham êxito nas tentativas de parar de fumar, mesmo motivados. Deste modo, partindo-se do pressuposto que o conceito de livre-arbítrio não pode ser aplicado quando a condição de dependência está presente, o fumante adulto dependente de tabaco também não agiria sob esta condição ao continuar fazendo uso de produtos de tabaco, apesar de conscientes dos riscos a sua saúde. Este é, aliás, um dos critérios para caracterização da dependência, a persistência no uso a respeito do conhecimento racional sobre os efeitos prejudiciais à saúde51.
Em acórdão da 8a Cámara de Direito Privado do TJSP (n. 379.261-4/5-00, julgado em 08.10.2008), em que se manteve decisão condenatória da indústria do fumo, citou o redator do acórdão, Des. Joaquim Garcia, artigo do médico Dráu-zio Varella, publicado no jornal Folha de São Paulo, intitulado "Mecanismo Diabólico", no qual o conhecido médico refere que
... em artigo a revista Scientific American, Josef DiFranza reve estudos que explicam as raízes bioquímicas da dependência da nicotina e contradizem o dogma de que ela levaria anos para escravizar o usuário. [...] Aqueles que conseguiram abster-se por apenas tres meses ou passaram décadas em abstinência, quando recaem voltam com a mesma rapidez ao número de cigarros diários anteriormente consumidos. A dependência da nicotina é uma doença crónica, incurável. O cérebro do fumante nunca mais voltará ao estado original. A farmacologia não conhece droga que cause tamanha dependência química. A nicotina não vicia por causar sensacões inacessíveis aos mortais que enfrentam o cotidiano de cara limpa. Inundar o cérebro com ela não faz voce experimentar a alegria do álcool, a onipotencia da cocaína, o relaxamento da maconha ou as visões do LSD. não existe barato nem viagem. Você fuma apenas para aplacar as crises de abstinência que a própria droga provoca a cada trinta minutos. O único prazer de quem fuma é sentir a paz de volta ao corpo suplicante, até que a próxima crise bata a porta para enlouquecê-lo. Parece invenção de Satanás.
Entre nós, o Instituto Nacional do câncer, do Ministério da Saúde, explica que a nicotina é uma substância psicoativa, isto é, produz a sensação de prazer, o que pode induzir ao abuso e a dependência. "Por ter características complexas, a dependência a nicotina é incluída na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde - CID 10a revisão52". A dependência resulta do fato de que "com a ingestão continua da nicotina, o cérebro se adapta e passa a precisar de doses cada vez maiores para manter o mesmo nível de satisfação que tinha no início". É o que se chama de toleráncia â droga, que compele o fumante, com o passar do tempo, a ter necessidade de consumir cada vez mais cigarros53.
É por isso que se afirma que a liberdade daquele que se inicia no hábito de fumar, bem como a liberdade de quem já é fumante (para parar de fumar) são manifestacões de vulnerabilidade. Esta se manifesta seja pela idade do fumante (menores), por sua incapacidade, por dependência (nicotina) ou mesmo em razão da vulnerabilidade informacional, por ausencia de informação (como ocorreu durante o século XX) ou informação insuficiente, incompleta, imprecisa e sem credibilidade (no final do século XX e no século XXI)"54.
A juíza Kessler, na multicitada sentença, discorre quase quatrocentas páginas (p. 332 em diante) sobre os efeitos da nicotina, suas propriedades viciantes e revela as provas de que há mais de cinquenta anos (quarenta anos da sentença) as pesquisas feitas pelos réus já demonstravam que a nicotina presente no tabaco causa dependência. Apesar disso, os réus daquela ação não apenas negaram publicamente que o fumo vicia, mas também omitiram do público norte-americano, do governo e da comunidade da saúde pública, as informacões reveladas por suas pesquisas. Sustenta ainda que há décadas, os réus perceberam que controlar a emissão de nicotina, a fim de gerar e sustentar a dependência nos fumantes, era necessário para assegurar seu sucesso comercial e que os réus perceberam a necessidade de determinar os níveis de emissão de nicotina "mínimos" e "ótimos" para oferecer "impacto" e "satisfação" suficientes para os consumidores de cigarro55.
Das dezenas de citacões feitas pela magistrada, aludindo a memorandos e documentos internos produzidos pela indústria do fumo, bem como a algumas declaracões de ocupantes de altos escalões das empresas, limitar-me-ei a reproduzir alguns poucos, em nota de rodapé56, pois são suficientes para demonstrar como, publicamente, a indústria do fumo sempre buscou minimizar os efeitos da nicotina, apesar de plenamente consciente dos mesmos.
Documento oficial da União Europeia a respeito dos maleficios associados ao fumo e as graves consequencias sociais e economicas daí derivadas refere que a dependência do tabaco é caracterizada como uma verdadeira doença crônica, com altas taxas de reincidencias de quem tenta parar de fumar.57 Pesquisa realizada na Nova Zelândia mostrou que, por volta dos 18 anos, 75% dos adolescentes fumantes se arrependem de terem começado, e metade já tentou parar de fumar58. No Brasil, esse número é inclusive superior: 80%59.
Também já está fartamente documentado que a maioria dos fumantes identifica o risco do tabagismo e expressa o desejo de deixar o consumo. Todavia, 85% dos que tentam deixar de fumar sozinhos recaem dentro de uma semana60.
Diante desses dados, fica muito difícil continuar a falar em livre-arbítrio no sentido de que as pessoas fumam porque querem, no exercício de sua liberdade e autonomia, podendo parar de faze-lo quando assim bem entenderem.
De fato, recente pesquisa científica do International Tobacco Control (ITC)61, divulgada em maio de 2013, envolvendo coleta de dados entre os anos de 2009 e 2013, revelou que entre os fumantes, 87% responderam que se arrependem de ter iniciado o consumo do tabaco. A percepção de insatisfação com o ato de fumar, revelada depois de constatado o vício, demonstra um elemento que corrói o núcleo das generalizacões que correlacionam fumo/prazer/livre-arbítrio. Assim, torna-se inconciliável a manutenção do postulado que defende o ato de fumar apoiado em um gozo livre e prazeroso, se as constatacões percebidas do indivíduo que fuma apresentaram a percepção de arrependimento, associando o hábito mais a um vício que ao exercício de uma liberdade62.
As indústrias do fumo sabem perfeitamente disso. Tanto que a juíza Kessler, em sua sentenca, identificou claramente documentos que comprovam que os produtores de cigarro sabem o quanto a nicotina embota e anula o livre-arbítrio. Disse ela, no item 069 de sua sentenca: "O memorando interno do Tobacco Institute de 9.09.1980 alerta que, se as empresas-membro reconhecessem publicamente que a nicotina é viciante, isso anularia seu argumento de defesa - que a decisão de fumar é de "livre-arbítrio...".
Se não há verdadeiro livre-arbítrio para começar a fumar, será que existiria para parar de fumar? É a pergunta que tentarei responder a seguir.
VII. Livre-arbítrio para parar de fumar?
Livre-arbítrio, na noção corrente, tem a ver com a faculdade humana de determinar-se a si mesmo, sem sofrer coacões ou diretas influencias externas. De forma autonoma, o indivíduo escolhe, dentre as alternativas existentes, aquela que mais lhe convém. Diante de tal noção, será que abandonar o vício de fumar seria uma simples questão de escolha, de livre opção, uma simples questão de vontade? Se o cigarro vicia, como é induvidoso, até que ponto é possível falar em livre-arbítrio do fumante no que diz respeito à sua decisão de abandonar o vício?
Concordo, aqui, com quem aponta para "o grave equívoco daqueles que, baseados em juízo leigo e não fundamentado, supõe a existencia de livre-arbítrio do fumante, ignorando considerares farmacológicas e médicas, que, cientificamente, indicam o contrário"63.
Com a devida vênia daqueles que afastam a responsabilidade da indústria do fumo, invocando o livre-arbítrio do fumante, não há como superar o consenso científico a respeito do poder viciante da nicotina. No relatório publicado em 1988, intitulado Nicotine Addiction, o Surgeon General, que é maior autoridade de saúde pública dos Estados Unidos, reconheceu que "cigarros e outras formas de tabaco são viciadores", que "a nicotina é droga que causa vício" e que "características farmacológicas e comportamentais que determinam o vício tabagístico são semelhantes aqueles que determinam o vício em drogas como heroína e cocaína"64.
As próprias fabricantes de cigarro recentemente passaram a admitir que parar de fumar é difícil65.
Pesquisa efetuada junto à Universidade de IOWA/USA envolveu pacientes acometidos de um tipo específico de lesão cerebral (no córtex prefrontal ventromedial). Tais pacientes mantinham preservada sua capacidade cognitiva, mas eram incapazes de se conduzir de acordo com tal conhecimento abstrato. Um dos pesquisadores, Antoine Bechara, disse textualmente (em tradução livre) que "é como o vício em drogas. Viciados podem articular muito bem as consequencias do seu comportamento. Mas não conseguem agir de acordo. Isto se deve a um problema no cérebro. Danos na área ventromedial causa uma desconexão entre o que voce sabe e o que voce faz"66. Portanto, o simples fato do viciado em nicotina ter consciencia dos males associados ao fumo não o impede de continuar fumando. Mas isso não se explica como sendo um ato de liberdade, de livre-arbítrio, mas sim pela precisa falta de liberdade de se livrar do vício da nicotina.
Assim, do ponto de vista científico, não há, pois, como negar que o tabagista é vítima de uma síndrome de dependência que se caracteriza por um intenso desejo de tomar a droga, pela impossibilidade/dificuldade de controlar o consumo e pela manutenção do uso, apesar das suas consequencias nefastas. Daí a irre-signação de muitos quanto à ponderável tendencia jurisprudencial que se apóia numa premISSA de fato - o livre-arbítrio do fumante - que é negada peremptória e conclusivamente pela comunidade científica, que classifica o vício do tabagista como doença67.
Assim, há que se admitir o dado irrefutável que, depois que se comeca a fumar, a viciante nicotina elimina muito do 'livre-arbítrio', em razão da síndrome de dependência que interfere na vontade do fumante68.
Não se pode olvidar, tampouco, que o exercício do livre-arbítrio supõe consciência. Consciência pressupoe informacões suficientes, claras, adequadas e sem falsificares das opcões existentes e de suas consequencias. E isso está longe de ter ocorrido, como se verá na sequência.
VIII. O exercício do livre-arbítrio supoe informações suficientes e adequadas
É possível se perguntar se, diante da espantosa capacidade de prejudicar do cigarro, teria o consumidor real consciencia de todos os males a que está exposto?
Uma coisa é saber que "o cigarro faz mal" e que "causa câncer" como noção abstrata; outra coisa é saber, concretamente, se quem comeca a fumar sabe de tudo isso, já que o normal é a pessoa imaginar que os males potenciais e futuros só acontecerão aos outros69.
De fato, aprofundando-se a questão da informação sobre os riscos associados ao hábito de fumar, pode-se dizer que existem quatro níveis de informacões, segundo Clarissa Homsi70:
No primeiro nível, as informacões são elementares: o indivíduo já ouviu falar que fumar aumenta os riscos a saúde, nas não consegue identificar que riscos são esses;
No segundo nível, o indivíduo é capaz de identificar algumas das doenças causadas pelo tabagismo, como câncer de pulmão e enfisema pulmonar, mas não sabe as consequencias de ser acometido por essa doença;
No terceiro nível de informação, o sujeito tem conhecimento da severidade da doença, seus sintomas e consequencias, das chances de sobrevida, e do risco relativo de contrair uma doença em decorrencia do tabagismo. Pesquisa realizada na Austrália revelou que apenas um terco dos fumantes cre que tenha riscos de morrer em razão do tabagismo.
No quarto nível de informação está o indivíduo que consegue concordar que fumar aumenta os seus próprios riscos de ter uma das doenças causadas pelo tabagismo.
Isto porque, não obstante as pessoas saibam que o tabagismo faz mal, consideram os outros como possíveis vítimas, excluindo a si próprio, inclusive através de crenças que contribuem para manterse fumando, como a ideia, assaz difundida, de que tudo causa câncer hoje em dia.
Segundo Homsi, somente se pode considerar como adequadamente informados os indivíduos situados nos níveis 3 e 4. Daí porque, sustenta a autora, a ideia de que todos sabem que fumar faz mal não pode, portanto, servir de argumento para deixar-se de fornecer ao consumidor informacões essenciais sobre os riscos do produto.
Não se pode olvidar, por outro lado, mesmo que se reconheça que de algum tempo para cá, em quase todos os países foram os fabricantes obrigados a informar o fumante sobre as doenças tabaco-relacionadas, é ainda nítida a assimetria informacional entre as partes (fabricante-consumidor). As informacões não podem ser genéricas, mas sim adaptadas a cada tipo de consumidor, diferenciando aquelas destinadas aos adolescentes, aos idosos, aos analfabetos, às gestantes, as pessoas de baixa renda e outros, sempre levando em conta a situação existencial de cada um, conforme os grupos a que pertence. não nos esquecamos, também, que há pouco espaco para ilusão nessa temática: os fabricantes de cigarro somente passaram a advertir acerca dos danos causados a saúde, nos macos de cigarro, em razão de determinação legal, jamais de forma espontánea e leal para com seus consumidores. Além disso, tais advertencias são ineficientes quando comparadas com as vultosas estratégias de marketing, como acontece, por exemplo, com o patrocínio de corridas de Fórmula Um. Além disso, ao adicionarem substáncias aditivas nos cigarros, aniquilam o livre-arbítrio do indivíduo, o que neutraliza as instrucões, aconselhamentos ou advertencias71.
Sobre essa assimetria informacional, outros autores referem que se o conhecimento dos consumidores sobre os males do cigarro é amplo e inespecífico, o mesmo não se pode dizer, em absoluto, dos fabricantes, que conhecem como ninguém, concreta e cientificamente, os potenciais devastadores para a saúde humana do produto que continuam a disponibilizar72.
Como muito bem pontua Renata Soares73,
[É] inexigível do indivíduo-consumidor [...] a busca pela fidedignidade da informação veiculada. Ao contrário, cabe ao fabricante o dever de prestá-la, em cumprimento ao tripé informacional exigido pelo CDC (informação clara, completa e confiável). A oferta e a apresentação do produto devem assegurar informacões precisas e ostensivas sobre suas características e riscos. No caso do cigarro, se as informacões são veiculadas por meio dos rótulos e esses possuem espaco tão limitado, não há como crer na informação do fabricante de que as características, riscos e doenças que o fumo pode causar são objeto de informação completa. Ou o consumidor é enganado pela "informação em pacote", ou pelo "senso comum" de que todos sabem que o cigarro faz mal à saúde.
Por outro lado, não se pode dizer que o fumante, ao se iniciar, assumiu os riscos de ter uma doença tabaco-relacionada, tendo verdadeiramente optado por essa situação. O consumidor não se inicia no tabagismo imaginando que vá ficar doente. Além disso, a afirmação de que os fumantes estão plenamente ou adequadamente informados sobre os riscos que correm é falsa. E isto pelo simples fato de que ainda hoje novas doenças são relacionadas ao tabagismo, desmistificando a ideia de haver um conhecimento sedimentado sobre os riscos que acarreta à saúde74.
De fato, tenho como evidente que livre-arbítrio supoe conhecimento integral das circunstáncias inerentes a determinado produto75, o que, pelo que hoje se sabe, inexiste, pois a cada nova pesquisa se revela novos malefícios atrelados ao hábito de fumar. Além disso, a indústria do fumo deliberadamente, durante décadas, ocultou o conhecimento que tinha sobre os males decorrentes do seu produto.
Não se pode olvidar, ainda, que o Direito é feito para pessoas comuns, com sua intrínseca vulnerabilidade, e não para super-homens. Tal percepção tem consequencias para as questões que estamos enfrentando nesse artigo. É o que discuto a seguir.
IX. Um direito para homens, nao para super-homens
Resta dizer que o entendimento de que as pessoas, mesmo sabedoras de que o cigarro faz mal, optam livremente pelo prazer de fumar e que, querendo, podem a qualquer momento deixar de fazê-lo, ignora que o direito não é feito para super-homens, dotados de grande força de vontade e que não se deixam influenciar facilmente.
Ao contrário, são justamente os vulneráveis - que abrange a esmagadora maioria da população - os destinatários preferenciais do Direito.
Aliás, neste aspecto, convém que os juristas abandonem uma certa aura de auto-suficiência, e passem a dialogar mais intensamente com as outras ciências, sob pena de se afastarem da realidade.
Uma dessas novas ciências, que possibilita insights esclarecedores e desmistificadores, é a chamada Economia Comportamental, derivada dos estudos de Law and Economics, aprofundados especialmente nos Estados Unidos há mais de 50 anos. Estudos naquela área já renderam dois prêmios Nobel, para Herbert Simon, em 1978 e Daniel Kahneman, em 2002. Reproduzirei trechos de excelente ensaio publicado por Amanda de Oliveira e Walter de MOURA a respeito do tema ora em julgamento:
Agregando elementos de Psicologia, a Economia comportamental busca descrever um ser humano mais real e concreto e, o que é o principal, o seu comportamento econômico. Considerando que as decisões humanas são sempre económicas (no sentido de que o ser humano faz sempre ponderacões de custo-benefício em seu processo de tomada de decisão), a Economia Comportamental (EC) parte do pressuposto de que as decisões humanas são sempre racionais, embora seja limitada tal racionalidade.
A EC descreve a dificuldade humana com a tomada de decisões intertemporais, assim definidas aquelas para as quais se faz um pequeno sacrifício hoje, a espera de um benefício maior no futuro. Descreve, igualmente, o chamado supero-timismo humano, ou a crenca dos indivíduos de que eles são mais propensos ao acontecimento de boas coisas em suas vidas que nas dos outros. Comprova, empiricamente, a afirmação de que, por vezes, as escolhas dos seres humanos baseiam-se em compulsões, ódio, paixões, vícios e não representam, exatamente, uma expressão de escolha livre. Confirmam o caráter limitado da força de vontade humana. Demonstram que os seres humanos costumam selecionar, em ter as opcões possíveis, os argumentos que confirmam aquilo que eles previamente desejavam como conclusão.
[...] É de se reconhecer, por outro lado, que as seguintes afirmacões são reconhecidamente corriqueiras entre os próprios fumantes: "conhep alguém que fumou desde os 12 anos, hoje tem 90 e está bem" (utilizando um caso excepcional para confirmar a ideia que lhe convém, em detrimento de inúmeras pesquisas sérias que comprovam ser essa circunstáncia rara e que a grande maioria dos fumantes morre mal e prematuramente em razão do tabaco); 'fumo porque quero, paro quan-do quiser' (desconsiderando o caráter de vício do tabagismo e o fato de que a suposta "escolha" que ele faz cotidianamente está longe de representar exercício de livre-arbítrio); "quero parar de fumar, mas, só hoje, estou estressado, vou acender mais um cigarro" (comprovando a necessidade humana de satisfacões instantáneas, em detrimento de maiores recompensas futuras); entre tantos outros exemplos possíveis76.
É hora de concluir.
Considerações finais
Foi visto que a indústria do fumo, onde quer que surjam acões de responsabilização civil pelos danos sofridos pelos consumidores, costuma apresentar as mesmas linhas defensivas. Dentre elas, duas se sobressaem: a questão do nexo de causalidade e a questão do livre-arbítrio77.
Todavia, foi visto que a indústria fumageira tem perfeita consciencia de que seu produto causa grandes males e que na verdade ninguém se inicia ou se mantém no hábito do fumo por uma questão de livre-arbítrio, mas sim em razão das caríssimas iniciativas de marketing que ela promove e do fato que, uma vez instalado o vício, o consumidor transforma-se em seu escravo.
A indústria do fumo, desde a década de cinquenta, no mínimo, tinha perfeita ciencia de quanto seu produto era maléfico para a saúde. Apesar disso, não só ocultou dos seus consumidores, das autoridades de saúde e do público em geral, tais malefícios, como inclusive, com escancarada má-fé, dolosamente, mentiu e procurou retardar, dificultar e obstaculizar que tais descobertas fossem divulgadas. Tinha, também, e desde sempre, não só perfeita consciencia de que a nicotina vicia, como também manipulava sua dosagem de forma a manter cativo seus consumidores. Além disso, como decisão política empresarial, direcionou seu marketing, de forma agressiva, para conquistar o público jovem, usando conhecimentos sofisticados de marketing e de psicologia. Sabia e sabe que o público jovem é influenciável e não toma decisões refletidas e maduras78. Explicase, assim, todo o esforco feito para tentar atrair exatamente esses jovens para o vício, na confiança de que, após tê-los feito experimentar o cigarro, a nicotina os tornaria clientes cativos e perpétuos - um casamento verdadeiramente tipo "até que a morte os separe".
Assim, pela lógica mais elementar, parece-me evidente que não deveria ser o consumidor de cigarros a assumir os riscos do tabagismo, mas sim as empresas fabricantes que, ao colocarem um produto altamente danoso no mercado, forcõsamente deveriam assumir o risco de responder pelos danos causados.
Portanto, tenho que há base jurídica suficiente para afastar o argumento do livre-arbítrio e sustentar a responsabilização da indústria do fumo pelos danos causados aos fumantes, ao menos em parte. Digo em parte porque é possível admitir que, ainda que comprometido desde sua origem, permanece um resíduo de livre-arbítrio, um espaco de liberdade que faz com que alguns resolvam fumar e continuem a faze-lo por toda a vida, ao passo que outros nem se iniciam nessa aventura, ou conseguem abandoná-la ao longo da viagem.
Assim, em caso de responsabilização, talvez o mais sensato fosse contemplar tal resíduo de liberdade sob a forma de "culpa concorrente", responsabilizandose a indústria de cigarro apenas em parte (mas substancial) pelos danos sofridos pelos fumantes.
O que não mais se pode aceitar, diante da visão interdisciplinar exposta no texto, é que em nome do mito do livre-arbítrio continue a indústria do fumo impunemente a lucrar em cima das milhões de mortes que diretamente causa a cada ano. Está mais do que na hora de se aplicar também a ela e equação que seus advogados invocam nos processos: liberdade com responsabilidade. Ela sempre alegou que os fumantes tem liberdade para consumir seus produtos, mesmo que esses não tenham nenhuma utilidade social e causem mal intenso e difuso, devendo, portanto assumir a responsabilidade pelos males contraídos. Se está afastada do nosso horizonte uma proibição radical da produção do fumo, então que a essa liberdade de produzir se agregue a responsabilidade pelos danos diretamente causados pelos seus produtos.
Notas
1 No Brasil, a Lei 9.294/96, posteriormente alterada pela Lei 10.167/2000, restringiu a propaganda de cigarros a parte interna dos pontos de venda (com uso de posteres, cartazes, painéis). Desde 2001, a propaganda de cigarros foi excluída dos meios de comunicação de massa.
2 informações a respeito das diversas ondas de ações envolvendo a responsabilização da indústria do fumo podem ser obtidas nas seguintes obras: Schwartz, G. T. "Tobacco Liability in the Courts", em Rabin & Sugarman (eds.), Smoking Policy: Law, Politics, and Culture, New York, Oxford University Press, 1993, 131-160; Caminho de Assis, A.; Veronese e Veronese, L., "Os males da indústria tabagista e o direito brasileiro", Revista Jurídica Consulex, ano XVIII, n. 429, I.°.12.2014, ed. especial: "Tabagismo - Polêmica reacesa", 40; Must, E.; Efroymson, D.; Tanudyaya, F., Controle do tabaco e desenvolvimento - Manual para organizares nao governamentais, Guia path Canadá, Rio de Janeiro, Rede de Desenvolvimento Humano, 2004, 23, 24; bem como nos seguintes sites: http://www.publichealthlawcenter.org/sites/default/files/resources/tclc-legal-update-winter-2016.pdf; http://oag.ca.gov/tobacco/msa; http://www.tobaccoon-trial.org/?page_id=109; http://www.surgeongeneral.gov/library/reports/50-years-of-progress/sgr50-chap-14-app14-3.pdf; http://verdictsearch.com/verdict/tobacco-companies-failed-to--warn-of-cancer-risks-suit/; http://www.diritto.it/articoli/civile/nava_tesi/nava_indice.html; http://citoyens.soquij.qc.ca/php/decision.php?ID=5C56225E67CiEF7C8C5398D9A9A5361B&page=i.
3 Mulholland, C. S., A responsabilidade civil por presunção de causalidade, Rio de Janeiro, 2010, 244.
4 Dallari, D. de A., "Controle do uso do tabaco: constitucionalidade do controle da distribuição e da publicidade", en PASQUALOTTO, A. (org.), Publicidade de tabaco - Frente e verso da liberdade de expressão comercial, São Paulo, 2015, 38.
5 Vedovato, L. R., "A Convenção-Quadro sobre controle do uso do tabaco - Consequencias para o ordenamento jurídico brasileiro", en Homsi, C. M. (coord.), Controle do tabaco e o ordenamento jurídico brasileiro, Rio de Janeiro, 2011, 5.
6 No original: "Products like automobiles and alcohol may be highly dangerous, but those dangers usually result from the ways in which those products are abuse or negligently handled. Cigarettes, by contrast, are highly dangerous even in the course of altogether 'ordinary use'": Schwartz, G. T., "Tobacco liability in the Courts", en Rabin & Sugarman (eds.), Smoking Policy: Law, Politics, and Culture, New York, 1993, 141.
7 Who - Report On The Global Tobacco Epidemic, 2008: The MPOWER package. World Health Organization, http://whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241563918_eng_full.pdf Acesso 13/8.2010 - apud HOMSI, C. M., "As acões judiciais envolvendo o tabagismo e seu controle", en HOMSI, C. M. (coord.), Controle do tabaco e o ordenamento jurídico brasileiro, Rio de Janeiro, 2011, 50, e O.M.S. - Relatório sobre epidemia mundial de tabaco: advertências sobre os peritos do tabaco, 2011, 8, apud CABRERA, Ó.; GUILLEN, P.Á.; CARBALLO, J., "Viabilidade jurídica de uma proibição total da publicidade de tabaco. O caso perante a Corte Constitucional da Colômbia", en PASQUALOTTO, A. (org.), Publicidade de tabaco - Frente e verso da liberdade de expressão comercial, São Paulo, 2015, 254.
8 MOURA, W., "O fumo e a sociedade de consumo: o novo sentido da saúde", en HOMSI, C. M. (coord.), Controle do tabaco e o ordenamento jurídico brasileiro, Rio de Janeiro, 2011, 45.
9 A referencia as ondas de demandas foi feita pela primeira vez por Gary T. Schwartz, em artigo seminal denominado "Tobacco Liability in the Courts" (reproduzido e lido na obra de Rabin & Sugarman (eds.), Smoking Policy: Law, Politics, and Culture, New York, 1993, 131-160.
Todavia, na página oficial do Tobacco Control Legal Consortium (http://www.publichealthlawcenter.org), disponível em: http://www.publichealthlawcenter.org/sites/default/files/resources/tclc-legal-update-winter-2016.pdf, embora também se faça referencia as ondas de demandas, usa-se outra periodização: a primeira onda de acões, segundo tal impostação, teria ocorrido nas décadas de cinquenta e sessenta. Os casos embasavam-se substancialmente nas teorias da culpa e violação da garantia. A principal estratégia de defesa da indústria do fumo residia em negar o nexo de causalidade entre o hábito de fumar e as doenças que acometeram as vítimas.
A segunda onda de demandas individuais ocorreu entre os anos setenta e o início dos anos noventa. Desta vez, as demandas baseavam-se nas teorias de falta de informação (failure to warm) e na responsabilidade objetiva do produtor (strictproduct liability). Novamente as demandas não tiveram sucesso, pois as indústrias do fumo persuadiram os jurados de que os fumantes sabiam dos riscos que corriam.
Somente por ocasião da terceira onda de demandas judiciais, iniciada por volta de 1994, a maré começou a mudar. A terceira onda envolveu também acões coletivas (class actions) e acões de ressarcimento movidas por entes públicos e por companhias seguradoras. Os fundamentos foram ampliados, abrangendo, fraude, falsidade, conspiração, legislação antitrust, violação de normas consumeristas e enriquecimento indevido.
10 "Tobacco companies have refused to offer settlements in any of the cases brought against them": Schwartz, G. T., "Tobacco Liability in the Courts", en Rabin & Sugarman (eds.), Smoking Policy: Law, Politics, and Culture, New York, 1993, 131.
11 "A dúvida é nosso produto", visto que é o melhor meio para combater os fatos que agora são de conhecimento do grande público', palavras essas registradas num memorando interno de um dirigente de uma grande marca de cigarros em 1957. Doubt is Their Product [A dúvida é o produto deles] é também o título do livro do cientista David Michaels, secretário adjunto de Energia, Meio Ambiente, Seguranca e Saúde no Governo Clinton e que demonstra como a indústria do tabaco recrutou rapidamente 'peritos' cuja missão era fornecer elementos a seus departamentos de comunicação 'manter o diálogo aberto', ali onde os trabalhos de pesquisas haviam estabelecido, sem nenhum equívoco, que o tabaco é a causa de milhões de mortes prematuras": Ricard, M., A revolvido do altruismo, São Paulo, 2015, 439.
12 O mais famoso deles é o Tobacco Master Settlement Agreement (MSA), celebrado na década de noventa, no bojo de uma demanda promovida por mais de quarenta Estados norte-americanos contra as quatro maiores indústrias fumageiras norte-americanas - Philip Morris Inc., R. J. Reynolds, Brown & Williamson e Lorillard. Posteriormente outras tres indústrias também foram acionadas e os restantes Estados igualmente passaram a fazer parte de um grande acordo global que pos fim a todas essas demandas. Quatro Estados fizeram acordos individuais, recebendo um total de 35 bilhões de dólares de ressarcimento, ao passo que os outros 46 Estados norte-americanos fizeram um acordo conjunto com as sete indústrias fumageiras, para obter desta o ressarcimento dos gastos públicos com doenças relacionadas ao tabaco. Como parte do acordo, dentre outros compromissos, as indústrias do fumo concordaram em pagar de forma perpétua aos Estados-membros um valor anual ressarcitório de despesas com doenças relacionadas ao tabaco, sendo que nos primeiros 25 anos seria paga - como vem sendo - a quantia de 206 bilhões de dólares a título de indenização, findos os quais seguiriam pagando 10 bilhões de dólares ao ano.
13 Ainda que alguns tribunais estaduais continuem, vez por outra, a condenar a indústria tabagista pelos danos causados ao fumante, junto ao Superior Tribunal de Justica - STJ - a jurisprudencia encontrase praticamente consolidada no sentido da inexistencia de tal responsabilidade, invocando-se um, alguns ou todos os argumentos citados no texto - ausencia de prova cabal do nexo de causalidade entre a doenca e o fumo; a existencia de livre-arbítrio por parte do fumante; a inexistencia de 'defeito' do produto, tecnicamente falando, a afastar a invocação do Código de Defesa do Consumidor - CDC, e a impossibilidade de aplicação do CDC a fatos ocorridos antes do início de sua vigência 1990). Nesse sentido, exemplificativamente, os julgamentos nos Recursos Especiais (REsp) n. 1.197.660/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 15.12.11, REsp n. 1.113.804/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 24.06.2010). Este último acórdão, costumeiramente citado pelos advogados das empresas fumageiras, está assim ementado:
"RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. AÇÃO REPARATÓRIA AJUIZADA POR fAMILIARES DE FUMANTE FALECIDO. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. PRODUTO DE PERICULOSIDADE INERENTE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À DEVER JURÍDICO RELATIVO Á INFORMACÇÃ. NEXO CAUSAL INDEMONSTRADO. TEORÍA DO DANO DIREITO E IMEDIATO (INTERRUPCÇÃ DO NEXO CAUSAL). IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.
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