10.18601/16577558.n37.07
Os Açores no sistema das relações internacionais: entre autonomia e integração europeia*
Las Azores en el sistema de las relaciones internacionales: entre autonomía e integración europea
The Azores in the System of International Relations: Between Autonomy and European Integration
Paulo Vitorino Fontes**
* Este estudo foi realizado no âmbito do projeto "Eurilhas - A Dimensão insular da Europa e as ilhas na União Europeia: heteronomia, autonomia e subsoberania", financiado pelo Governo Regional dos Açores (M1.1.C/C.S./001/2019/01).
** Doutorado (summa cum laudé) em Teoria Jurídico-Política e Relações Internacionais pela Universidade de Évora (Portugal). Professor Auxiliar de Ciência Política da Universidade dos Açores. Centro de Estudos Humanísticos da Universidade dos Açores (Portugal). [paulo.v.fontes@uac.pt]; [https://orcid.org/0000-0002-1443-6820].
Recibido: 6 de junio de 2022 / Modificado: 26 de julio de 2022 / Aceptado: 18 de agosto de 2022
Para citar este artículo: Fontes, P. V. (2022). Os Açores no sistema das relações internacionais: entre autonomia e integração europeia. Oasis, 37, pp. 93-114. DOI: https://doi.org/10.18601/16577558.n37.07
RESUMO
Se por um lado, o Arquipélago dos Açores tem uma longa relação com as Américas, ainda antes de serem constituídos alguns dos seus Estados, como os Estados Unidos e o Canadá, por outro lado, com um ímpeto semelhante, estabeleceu relação com a Europa, a África e outras ilhas do mesmo Oceano Atlântico, destacando-se mais recentemente o percurso de integração europeia que os Açores têm realizado. A partir da revisão bibliográfica dos contributos pertinentes à temática e de uma análise qualitativa e hermenêutica, pretendemos explorar o movimento paralelo de autonomia e integração que a Região Autónoma dos Açores tem feito desde 1976. Destacaremos a conquista do estatuto de autonomia político-administrativa deste arquipélago que permite desenvolver as suas potencialidades. Projetando o futuro, a par do intenso intercâmbio de pessoas, comunicações e bens que enformam as relações transatlânticas, equacionaremos o papel estratégico que os Açores desempenham e podem desempenhar, tanto como plataforma científica, como nas novas configurações de segurança do Atlântico, num mundo pós-guerra-fria. Concluiremos que a fértil articulação da autonomia com a integração, no atual quadro jurídico-político europeu, possibilita, para além do desenvolvimento interno, uma nova centralidade da Região na política internacional.
Palavras-chave: Açores; Europa; autonomia; integração; ultraperiferia.
RESUMEN
Si, por un lado, el archipiélago de las Azores tiene una larga relación con América, incluso antes de que se constituyeran algunos de sus Estados, como los Estados Unidos y Canadá, por otro lado, con un impulso similar, ha establecido una relación con Europa, África y otras islas del mismo océano Atlántico, destacándose más recientemente el camino de integración europea que han emprendido las Azores. A partir de la revisión bibliográfica de las contribuciones relevantes al tema, y de un análisis cualitativo y hermenéutico, pretendemos explorar el movimiento paralelo de autonomía e integración que la Región Autónoma de las Azores ha realizado desde 1976. Destacaremos la consecución del estatus de autonomía político-administrativa de este archipiélago que permite el desarrollo de sus potencialidades. Proyectándonos hacia el futuro, junto al intenso intercambio de personas, comunicaciones y mercancías que conforman las relaciones transatlánticas, consideraremos el papel estratégico que desempeñan y pueden desempeñar las Azores, tanto como plataforma científica como en las nuevas configuraciones de la seguridad atlántica en un mundo posterior a la Guerra Fría. Concluiremos que la fértil articulación de la autonomía con la integración, en el actual marco jurídico-político europeo permite, más allá del desarrollo interno, una nueva centralidad de la región en la política internacional.
Palabras clave: Azores; Europa; autonomía; integración; ultraperiferia.
ABSTRACT
The Azores archipelago has had a long relationship with the Americas such as with the United States and Canada, even before some of its states were constituted, On the other hand, with a similar impetus, it has established a relationship with Europe, Africa, and other islands in the same Atlantic Ocean, highlighting more recently the path of European integration that the Azores have undertaken. From a bibliographical review of the relevant contributions to the theme and a qualitative and hermeneutic analysis, we intend to explore the parallel movement of autonomy and integration that the Autonomous Region of the Azores has made since 1976. We will highlight the achievement of the status of political-administrative autonomy of this archipelago that allows the development of its potentialities. Projecting into the future, alongside the intense exchange of people, communications and goods that shape transatlantic relations, we will consider the strategic role that the Azores play and can play, both as a scientific platform and in the new configurations of Atlantic security in a post-Cold War world. We will conclude that the articulation of autonomy with integration, in the current European legal and political framework, enables, in addition to internal development, a new centrality for the region in international politics.
Key words: Azores; Europe; autonomy; integration; ultraperiphery.
INTRODUÇÃO
Existindo há milhares de anos, não se estranha haver conhecimento das ilhas dos Açores anterior à descoberta portuguesa no dealbar da modernidade. Mas foi o povoamento português a partir de 1432 que trouxe o arquipélago para a história, retirando proveito das ilhas, tanto de forma direta, como indireta, através da cedência de facilidades e até parcelas das ilhas a terceiros, ingleses, norte-americanos e franceses a troco de prestígio internacional, apoio político e diplomático, equipamentos e dinheiro.
Durante cinco séculos de história, estas ilhas foram tratadas segundo a razão instrumental e relegadas para uma condição de heteronomia, na medida em que o valor de cada uma decorria, não dela em si, mas da utilidade que assumia para o governo português. Foi assim desde o apetrechamento das naus de quinhentos das rotas da India e das Américas com água fresca e víveres, fornecimento de carvão para os barcos a vapor que atravessavam o Atlântico, estações de apoio à luta antissubmarina, posto de abastecimento para o acesso dos norte-americanos à Europa, ao norte de África e ao Médio Oriente, estações de amarra de cabos submarinos, estações de monitorização atmosférica e climática, controlo de tráfego aéreo, são algumas das funções históricas desempenhadas pelos Açores ao serviço do nosso país (Matos et al., 2008).
Foi na segunda parte do século XX, no quadro do movimento autonomista emergente, que começou a constituir-se, entre açorianos e açorianas de diversas ilhas, propostas de confraternidade açoriana e de apelos a patamares mínimos de unidade entre os ilhéus. Novas ideias e influências chegavam da Europa e vários açorianos e açorianas contribuíram para esse longo caminho de emancipação política, que só após a Revolução de Abril de 1974 consegue inscrever-se no regime autonómico vigente.
A autonomia político-administrativa da Região Autónoma dos Açores, tal como da Madeira, foi consagrada na Constituição portuguesa, em 1976. Estes Arquipélagos constituem duas Regiões Autónomas da República Portuguesa, dotadas de Estatuto Político-Administrativo e de órgãos de governo próprio: Assembleia Legislativa e Governo Regional. A conquista da autonomia resultou de uma luta política de muitos açorianos e açorianas que tentaram ultrapassar as limitações que a condição insular muitas vezes impunha. O pensamento político moderno e europeu foi-se aqui moldando, muitas vezes de forma pioneira, inspirando também outras ilhas e arquipélagos nos seus processos de emancipação política.
Se por um lado a nossa investigação explora essa História, é essencialmente para o futuro que ela está voltada. Pois, a Região Autónoma dos Açores, conquista das gerações anteriores, enfrenta novos desafios neste século XXI, num mundo em Pandemia do COVID-19, no seio de uma crise de saúde, ambiental, mas também social e política. Com a integração europeia, os centros de decisão política deslocalizaram-se para as instituições europeias, localizadas essencialmente em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. A participação política é limitada e padece da maleita da abstenção, pelo que importa melhorar o sistema político, tornando-o mais equilibrado e participativo, tanto ao nível de ilha, da Região, de Portugal e da União Europeia.
O nosso trabalho pretende estudar o percurso de integração europeia da Região Autónoma dos Açores na articulação de três conceitos fundamentais - ultraperiferia, autonomia e subsidiariedade -, que se relacionam e condicionam de sobremaneira, tanto a condição insular, como os desafios que estas ilhas enfrentam. Para tal, iremos apresentar inicialmente uma pequena secção dedicada ao (1) estado da arte, para compreender a originalidade e contribuição deste artigo em relação ao que já foi publicado, para depois enquadrar (2) o desafio da integração europeia, a mudança que originou na política externa portuguesa e no arquipélago açoriano. De seguida, iremos reconstituir (3) o percurso inicial do conceito de ultraperiferia, o qual resultou de um processo de luta política organizada pelas ilhas e arquipélagos da Europa, que teve um importante contributo açoriano, culminando na consagração jurídica do Estatuto da Região Ultraperiférica da União Europeia no Tratado de Amesterdão em 1997. Por fim, exploraremos (4) a centralidade da autonomia e da integração, numa dialética interna versus externa, para fazer face aos desafios, tanto do sistema político regional, como do processo de desenvolvimento e integração europeia.
A nossa investigação recorre ao método qualitativo na sua vertente de análise documental. A metodologia utilizada para analisar diferentes documentos é baseada numa hermenêutica crítica. É essencialmente uma análise de natureza formal, analítica e conceitual. A partir daí, as teorias e categorias dos vários autores são apresentadas a partir de uma interpretação e avaliadas criticamente.
ESTADO DA ARTE
A Europa conhece uma pluralidade de ilhas, cuja única característica de base se prende com a diversidade que as caracteriza e que parece desafiar qualquer exercício de sistematização. Algumas são Estados, outras são capitais de Estados, e outras ainda são adjacentes ao território continental de Estados ao qual, por vezes, até se encontram ligadas por pontes. Outras ainda, encontram-se afastadas dos territórios dos respetivos Estados, aos quais foram associadas ao longo dos séculos, em função dos serviços que se perspetivava lhes poderem prestar. A importância da presente investigação passa pelo facto de centrar a atenção num conjunto específico de ilhas, neste caso o Arquipélago dos Açores, e de situá-lo numa categoria muito específica de ilhas europeias que usufruem de um determinado grau de autonomia jurídico--política e administrativa.
No dealbar da modernidade, os Estados europeus emergiram como grandes potências à escala planetária. Para cumprimento dos respetivos desideratos políticos, e a partir dos instrumentos de poder ao seu dispor, viriam a reclamar-se de uma cadeia de ilhas e territórios, um pouco por todo o planeta. Muitas vezes considerados espaços menores, ou até mesmo inúteis, estas ilhas terminariam assumindo papéis preciosos na construção dos grandes impérios - português, espanhol, holandês, inglês, francês. E, com o passar do tempo, até mesmo para a consolidação das respetivas propostas de afirmação nacional (Baldachino, 2010; Amaral, 2018).
A adoção da ideia de descolonização e do direito de autodeterminação viria a ditar, a partir da segunda metade do século XIX, a perda das possessões ultramarinas europeias e o recuo dos Estados europeus à dimensão do Velho Continente. Neste processo, porém, perdendo os grandes territórios americanos, asiáticos e africanos que detiveram e que exploraram desde o início da modernidade, os Estados europeus conseguiram fixar e manter uma cadeia de ilhas que se espalham um pouco por todos os mares do planeta - se bem que muitas tenham optado pela independência, nuns casos, integrando territórios continentais adjacentes, noutros, afirmando-se como Estados de pleno direito.
A nossa investigação dedica-se ao Arquipélago dos Açores, incluído num conjunto de ilhas, que apesar de se encontrarem para além do espaço territorial europeu, em muitos casos longe e até muito longe dele, permanecem de algum modo ligadas à Europa e aos seus respetivos Estados, constituindo outras tantas manifestações ou projeções da Europa, e dos seus Estados, um pouco por todo o planeta: do Mar do Norte, ao Atlântico Sul, ao Índico e ao Pacífico. Relegadas, ao longo de séculos, para uma condição de heteronomia, valendo pela utilidade de que se revestiam para as respetivas metrópoles, estas ilhas viriam, na segunda metade do século 20 e neste século 21, a protagonizar um movimento de emancipação que resultaria num riquíssimo e interessantíssimo caleidoscópio de momentos e de modelos de organização social e política, muitos dos quais, do maior interesse para os respetivos Estados e para o próprio processo de construção europeia.
Procurar-se-á contribuir para a análise e sistematização da realidade insular da Europa e, em particular, do Arquipélago dos Açores: da sua emergência na agenda europeia, na segunda metade do século 20, em particular na sequência da adesão dos Estados ibéricos, de Portugal e de Espanha, em 1986, às Comunidades Europeias, no Conselho da Europa e, por fim, na própria União Europeia; dos papéis que lhes são reservados, ou que poderão cumprir com proveito, no quadro contemporâneo do processo de construção europeia e de globalização. É este trabalho que apresentaremos a seguir, num diálogo entre autores que se dedicam ao estudo das ilhas, articulando e congregando contributos de investigadores portugueses, como Carlos Amaral (2011; 2019), Isabel Valente (2009; 2015) com outros pesquisadores internacionais que se dedicam ao tema, com destaque para Godfrey Baldachino (2018; 2018a) que analisa os desafios e oportunidades de um vasto leque de jurisdições subnacionais, maioritariamente ilhas, e convocando alguns importantes contributos de Jean-Didier Hache (1999), de Patrick Guillaumin (2000) e Pär Olausson (2007), entre outros, que têm estudado a dimensão e especificidade das ilhas e regiões periféricas e ultraperiféricas da Europa.
PORTUGAL, A POLÍTICA EXTERNA E A INTEGRAÇÃO EUROPEIA
Ao explorarmos os movimentos de longa duração que foram definindo regularidades nas opções estratégicas da política externa portuguesa, podemos perceber três modelos de inserção internacional de Portugal que correspondem a três momentos históricos diferentes (Teixeira, 2010).
O primeiro modelo corresponde ao Portugal medieval e estende-se até o século XV. A política externa portuguesa desenvolve-se no quadro da Península Ibérica, entre cinco unidades políticas equilibradas no seu poder e dimensão, eram eles os reinos de Castela, Leão, Navarra, Aragão e Portugal (Teixeira, 2010, p. 51).
O segundo modelo inicia a partir do século XV, dura cinco séculos e termina entre 1974 e 1986, com o processo de democratização e a integração europeia. Corresponde ao modelo clássico de inserção internacional de Portugal. O relativo equilíbrio anterior entre as cinco unidades políticas da Península Ibérica tinha-se alterado, pois passou a existir apenas duas unidades de desigual dimensão - Espanha e Portugal. "A Costa Atlântica e a capacidade de sustentação de relações extrapeninsulares vão possibilitar a construção de um vetor de compensação: o vetor marítimo" (Teixeira, 2010, p. 52).
Portugal afastou-se das questões europeias, como opção estratégica, quase cinco séculos, pois durante este período tentou afirmar-se como país atlântico e colonial, mantendo um equilíbrio triangular entre Lisboa, Madrid e Londres, presente na posição portuguesa perante a Guerra Civil de Espanha e na neutralidade (colaborante) durante a Segunda Guerra Mundial (Andrade, 1992; Teixeira, 2010).
A partir de abril de 1974, com a democratização de Portugal, altera-se todo o quadro da política externa. A transição para a democracia e a consolidação democrática em ambos os países da Península Ibérica levaram, num curto espaço de tempo de doze anos (1974-1986), à extinção desse modelo histórico que durante cinco séculos perdurou em Portugal. Inicia-se assim esse novo modelo de política externa com Portugal a assumir-se plenamente como país europeu e atlântico.
Após esse breve período de transição para a democracia, em 1976, inicia-se em Portugal o período constitucional, com o Primeiro Governo Constitucional, liderado por Mário Soares e tendo Medeiros Ferreira como ministro dos Negócios Estrangeiros, preocupado em clarificar a política externa portuguesa e em definir unívoca e rigorosamente o posicionamento externo do Estado. Portugal assume, totalmente, a sua condição de país ocidental, simultaneamente europeu e atlântico. Serão estes, portanto, os dois vetores fundamentais e as verdadeiras opções estratégicas do Portugal democrático (Teixeira, 2010, p. 54).
Para Portugal, o vetor atlântico significou a permanência das características históricas da política externa portuguesa e foi fundamental tanto ao nível da orientação externa, como também da estabilização interna do país. O fortalecimento das relações bilaterais com os Estados Unidos e o maior empenhamento nos compromissos militares com a NATO constituíram a sua tradução mais visível. Por sua vez, a "viragem europeia" é a grande novidade da política externa do regime democrático. Ultrapassadas as resistências antieuropeias, primeiro da opção africana do regime autoritário, depois da tentação terceiro-mundista do período revolucionário, Portugal assume claramente, a partir de 1976, a "opção europeia". Agora já não numa perspetiva estritamente económica e pragmática, como no período do Estado Novo, mas como opção estratégica e projeto político (Teixeira, 2010, pp. 54-55).
A imperiosa necessidade de Portugal de dotar-se de novo de uma política externa ativa que fosse muito mais do que diplomacia era para Medeiros Ferreira uma preocupação central. Pois, considerava que o maior perigo que espreitava à República Portuguesa era mesmo a sua alienação de vontade na política internacional, no "exato momento em que os mecanismos próprios do sistema financeiro mundial e do funcionamento atual da UE não garantem o crescimento do bem-estar da população portuguesa" (Ferreira, 2010, p. 47), aconselhava que o governo português executasse um plano de iniciativas internacionais que englobasse medidas europeias próprias e interesses estratégicos gerais, que não tivesse medo de tomar a dianteira, tanto ao nível da reforma do sistema das Nações Unidas, como ao nível da construção europeia.
José Medeiros Ferreira toma posse como ministro dos Negócios Estrangeiros a 23 de julho de 1976. Inicia funções num momento determinante da história recente de Portugal em que, como recordará mais tarde, opera-se "o trânsito entre as instituições revolucionárias e o Estado democrático" (Ferreira, 1981, p. 44), correspondendo-lhe inaugurar a nova etapa da política externa do período constitucional. Move-o o objetivo de ligar Portugal à Europa, económica e estrategicamente, eixo que enformará o novo paradigma das relações de Portugal com o mundo.
Em 1976, Portugal entra para o Conselho da Europa. Em 1977, pede, formalmente, a adesão à Comunidade Europeia. E em 1985, assina o Tratado de Adesão. A partir de 1° de janeiro de 1986, Portugal torna-se membro de pleno direito da Comunidade Europeia.
Foi no Mosteiro dos Jerónimos, num quadro solene e majestático, que Mário Soares, Rui Machete, Jaime Gama e Ernâni Rodrigues Lopes assinaram o tratado que tornou Portugal no décimo primeiro membro das Comunidades. Para trás, ficaram oito anos de negociações difíceis. O futuro continua a ser construído e a história dirá dos benefícios e dos custos da adesão do nosso país à Europa comunitária. Permanece atual a vocação e o desafio de Portugal, bem expresso no discurso do primeiro-ministro português, Mário Soares, na cerimónia de assinatura do tratado que tornou Portugal membro da C.E.E.:
A vocação para o Diálogo Norte-Sul que a Comunidade Europeia já possuía fica, agora, grandemente reforçada com a entrada de Portugal e da Espanha, países com uma história tecida no contacto com povos e civilizações de outros continentes, que tanto contribuíram para a difusão dos valores europeus no mundo e cujos idiomas são hoje falados por cerca de 400 milhões de seres humanos. Portugal, para quem os laços de fraternidade para com os países africanos de expressão portuguesa e com o Brasil revestem primordial importância, está certo de que, com a sua entrada na C.E.E., contribuirá para criar um novo dinamismo de cooperação da Europa comunitária com a África e a América Latina. Seremos, igualmente, fiéis à nossa vocação atlântica, tendo visto pelo presente tratado reconhecidos os nossos direitos sobre uma vastíssima zona desse oceano que tão intimamente conhecemos há séculos e cujas imensas potencialidades importa, urgentemente, saber aproveitar. (Soares, 1997, p. 161)
A partir daqui, estão reunidas as linhas de orientação estratégica da política externa portuguesa no período democrático, ao acrescentar à opção europeia e ao vetor atlântico, as relações de amizade e cooperação com os novos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) e com o Brasil. A partir da década de 90, a estes três eixos vem juntar-se um quarto: a participação portuguesa na produção de segurança internacional, com a participação de militares portugueses nas operações de paz da NATO, da União Europeia e das Nações Unidas. As Forças Armadas tornam-se um instrumento da política externa.
Uma nova equação política e estratégica guia agora Portugal, como Teixeira (2010, p. 55) sintetiza:
Hoje, a Europa e o Atlântico não só não são termos contraditórios como são complementares. […] O binómio Europa-Atlântico mantém-se na equação geopolítica, mas invertem-se as prioridades estratégicas: tradicionalmente, Portugal pensava-se como um país atlântico e colonial e, quando o peso do vetor marítimo era excessivo, procurava compensações continentais. Hoje, pelo contrário, pensa-se como um país europeu e é como membro da União Europeia que procura valorizar e potenciar a posição atlântica e as relações pós-coloniais.
Percebemos a centralidade que as ilhas assumem, tanto na projeção atlântica de Portugal europeu e, no nosso caso concreto, torna-se pertinente aprofundar o papel fundamental que os Açores desempenham na construção portuguesa da Europa, tanto como ideia, como no contributo que dão por um lado e ao que usufruem, por outro, da comunidade jurídico-política, económica e social que é a Europa. Esse é um longo caminho de luta política que os Açores souberam trilhar, mas que urge hoje continuar, face a novos desafios da política interna e externa desta nova Região Autónoma dos Açores. É aqui que se situa o âmago da nossa investigação, que pretende de alguma forma ampliar e, se possível, tornar mais incisiva essa linha de investigação e de pensamento açoriano que se vai constituindo na história cultural e política da autonomia insular, no autogoverno e na relação com o outro, principalmente na Europa e com a Europa.
A EUROPA DAS ILHAS: ULTRAPERIFERIA E INTEGRAÇÃO
A importância das ilhas da Europa tem sido medida ao longo da história, não pelo seu caráter intrínseco, mas pelos serviços e bens que podiam prover às suas respetivas metrópoles. Este fator tem conduzido a um desenvolvimento orientado para os outros, em vez de autocentrado nas necessidades locais. Governadas à distância, foram percebidas de modo utilitarista, como meios ao serviço dos interesses nacionais dos Estados que as detinham, muitas vezes descartadas quando deixavam de ter interesse. Quando em meados do século XX a Europa iniciou o processo de integração, os Estados-membros garantiram que as suas possessões insulares permaneceriam fora do sistema de integração, ficando, porquanto, reservadas à esfera privada dos seus respetivos proprietários (Amaral, 2018).
O processo de integração económica da Europa, iniciado com o Tratado de Roma na década de 50 do século XX, tinha como grande objetivo superar as divisões e os conflitos entre os diversos países europeus, que tinham atingido um auge horrendo com a II Guerra Mundial, e promover o progresso e o bem-estar dos cidadãos e das sociedades num ambiente generalizado de democracia e paz.
Após os primeiros anos de vigência do Mercado Comum, foi evidente que algumas zonas estavam a progredir muito depressa, enquanto outras ficavam para trás. Principalmente nas regiões da periferia dos países-membros da CEE, eram evidentes as dificuldades de arranque de um processo de desenvolvimento económico e social. Daí a necessidade e iniciativa de responsáveis da Bretanha francesa de convocarem uma conferência dos líderes destas regiões, a qual teve lugar em Saint-Malo, em 1973 (Amaral, 2019, p. 259).
A Declaração de Saint-Malo de 1973, como sublinha Mota Amaral (2019, p. 259), contém um apelo solene aos dirigentes europeus para que corrijam, mediante políticas adequadas, a desigualdade de desenvolvimento que se verificava nas regiões periféricas marítimas dos respetivos países, sob pena de vir agravar-se, para sofrimento das suas populações.
A política regional tem as suas origens no Tratado de Roma, em 1957, que institui a Comunidade Económica Europeia. Em 1968, foi criada a Direcção-Geral da Política Regional da Comissão Europeia e, em 1975, foi criado o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Reconhecendo a importância da política regional, o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia consagra cinco artigos à "coesão económica, social e territorial" (artigos 174 a 178).
A política regional visa reduzir as disparidades económicas, sociais e territoriais entre as regiões da União Europeia, apoiando a criação de empregos, a competitividade, o crescimento económico, a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável. A política regional tem sido a resposta europeia às desvantagens das regiões afastadas do centro, onde se concentram as infraestruturas, os órgãos de decisão, os equipamentos, os investimentos e as oportunidades de emprego; e concretiza-se na reunião de recursos financeiros destinados a impulsionar os empreendimentos prioritários, desde logo em termos de infraestruturas e equipamentos coletivos, para lançamento do desenvolvimento nas regiões menos favorecidas.
Neste trabalho, o foco não se coloca tanto na política regional europeia, mas acima de tudo na relação entre os Açores e a Europa, num contexto mais alargado de outras ilhas e arquipélagos do continente europeu. Apoiando o nosso trabalho em vários autores que têm se dedicado às questões insulares, exploramos a tese de que a importância crescente destas ilhas ao nível político no mapa europeu está relacionada com o grau de autonomia política que detêm em relação aos Estados continentais a que pertencem. Interessa-nos, sobretudo, o processo de autonomia política dos Açores, que até 1976 teve a suas maiores conquistas em relação ao continente português, com especial atenção à relação desta autonomia com o processo de integração europeia.
Como refere Carlos Amaral (2018, p. 25):
as ilhas emergem no mapa da Europa a partir do momento em que conseguem desfrutar de um regime mais ou menos alargado de autonomia política que lhes permite, por um lado, a nível interno, definir e conduzir os seus destinos próprios e, por outro lado, a nível externo, ser ouvidas diretamente pelas próprias instituições europeias.
O processo de emancipação política começou com o papel pioneiro das Ilhas Aland, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial, que foram capazes de inspirar um movimento de profunda transformação na Europa, o regionalismo (Amaral, 1998).
Só na década de 1970 é que emergem as questões insulares na agenda europeia, devido essencialmente a dois fatores fundamentais: o alargamento das Comunidades Europeias, como eram designadas na altura, e a posterior adoção da Política Regional Europeia (Amaral, 2018, p. 26).
A Europa dos Seis, de uma forma geral, era um projeto continental, pois só após o primeiro alargamento, com a adesão da Irlanda, Reino Unido e Dinamarca, as Comunidades começaram a assumir a sua dimensão marítima. Para tal, contribuiu o fato de principalmente o Reino Unido e a Dinamarca possuírem ilhas que não eram meras possessões daqueles países, mas gozavam de regimes de autogoverno que demonstraram grandes reservas em relação ao impacto da adesão em termos políticos, económicos e sociais (Amaral 1998, pp. 201-317; Olausson, 2007; Baldacchino, 2010).
As Comunidades Europeias e os Estados-membros, como partes envolvidas nas negociações de adesão, tiveram dificuldade em compreender ou pelo menos de abordar as preocupações destas regiões autónomas insulares. Não houve abertura para o reconhecimento das especificidades das ilhas que fosse além da lógica centrípeta da integração. Daqui resultou que uma variedade de regiões autónomas britânicas e dinamarquesas que gozavam de suficiente autonomia política para rejeitar a integração europeia, o tenham feito. Foi assim com Jersey, Guernsey e a Ilha de Man, no caso da Grã-Bretanha, entre outras ilhas e territórios ultramarinos que permanecem fora da União, a Islândia, que, entretanto, alcançou a soberania plena, a Groenlândia e as Ilhas Faroé, no caso da Dinamarca (Amaral, 2018, pp. 27-28).
Em 1979, dá-se a adesão da Grécia às Comunidades, mas apesar da natureza arquipelágica deste país, não foram reconhecidas as especificidades das regiões insulares nas políticas europeias. Só com a adesão de Portugal e Espanha, em 1986, é que há uma viragem no reconhecimento das questões insulares e a adoção de medidas capazes de integrar efetivamente estas regiões na agenda europeia. Mudança esta que tornou a confirmar-se em 1994, com a adesão da Suécia e da Finlândia. De forma a evitar a repetição do que havia acontecido no primeiro alargamento, a Comissão Europeia, empenhada na adesão plena de Portugal, logo no início das negociações quis incluir representantes das duas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, atendendo aos fortes regimes de autonomia política destes dois arquipélagos (Amaral, 2018, p. 28). Para esse objetivo, os governos regionais dos Açores e da Madeira mantiveram, durante o período das negociações de adesão, um membro ou grupo responsável pela integração europeia que acompanhou, em representação das respetivas regiões, o processo negocial com a Comissão Europeia (Valente, 2015, p. 46).
Percebe-se o que estava aqui em causa, pois os países ibéricos, principalmente com as suas ilhas, conferiam às Comunidades uma grande dimensão insular e oceânica. Por sua vez, também Portugal e Espanha souberam trazer esta dimensão insular para a agenda europeia desde o início das negociações do respetivo Tratado de Adesão. Este trabalho foi facilitado também por três características importantes destas regiões insulares (Amaral, 2018, pp. 28-29).
Em primeiro lugar, estes territórios eram plenamente europeus, mesmo que situados fora do continente, pois Portugal e Espanha já se tinham despojado das suas colónias não europeias.
Em segundo lugar, os arquipélagos portugueses e espanhóis usufruíam de regimes de autonomia política no contexto dos seus respetivos Estados. Cada um desses arquipélagos, apesar de algumas variações, constituía uma Região Autónoma, dotada de instituições políticas próprias: um parlamento, com capacidade para adotar legislação com igual dignidade à adotada pelos órgãos centrais do Estado; um governo com poder para implementar leis, regulamentos administrativos adequados; e possuíam também recursos financeiros necessários para o desenvolvimento da atividade legislativa e governamental. O que poderia possibilitar estes arquipélagos, se assim o entendessem, optar por permanecer fora das Comunidades, tal como o tinham feito anteriormente os seus congéneres britânicos e dinamarqueses.
Em terceiro lugar, estes arquipélagos encontravam-se numa condição de subdesenvolvimento económico evidente, devido à falta de importância e de investimento a que estavam votados no seus Estados, assim como, às suas fragilidades resultantes da condição insular e arquipelágica, onde se inclui a sua pequena dimensão, a dispersão oceânica, a grande distância do continente europeu, a ausência de recursos naturais, os altos custos de produção e distribuição de energia, assim como de transportes e comunicações, tanto com o exterior como no interior dos próprios arquipélagos, e a falta de infraestruturas básicas, em variados domínios, como a saúde e a educação. Pelo que necessitavam de ajuda especial para se aproximarem dos níveis de desenvolvimento atingidos no continente, de forma a se tornarem parceiros plenos e iguais no processo de integração (Amaral, 2018, pp. 29-30).
A Comissão Europeia não quis cometer os erros do primeiro alargamento e mostrou-se empenhada em adotar medidas necessárias para incluir os arquipélagos portugueses e espanhóis na Europa juntamente com os seus Estados, acima de tudo devido à sua importância geoestratégica internacional que detêm desde o início da modernidade (Amaral, 2018, p. 30).
Desta forma, os representantes do Estado português, defendendo também os interesses mais específicos dos arquipélagos dos Açores e Madeira, conseguiram negociar e introduzir no Tratado de Adesão uma série de derrogações ao acquis communautaire e a adoção de várias políticas e medidas, algumas transitórias, como as Políticas Agrícolas e da Pesca, outras permanentes, sobretudo ao nível da política fiscal, com menores taxas de IVA e IRS, bem como tarifas especiais para alguns produtos locais.
Apesar destas regiões terem acompanhado as negociações, apenas podiam pressionar por via interna ou por via externa a decisão que pertencia ao governo português. Verificou-se aqui uma confluência de interesses entre o governo português e os governos regionais dos Açores e da Madeira, pois todos pretendiam que os arquipélagos fossem apoiados no âmbito das políticas dos Fundos de Coesão (Valente, 2015, p. 49).
A preocupação e responsabilização pelo desenvolvimento destes arquipélagos tomou forma na Declaração Comum (1985, p. 479), que acabou por ser anexada ao Tratado de Adesão contendo a recomendação para que "as instituições da Comunidade dediquem especial atenção à realização dos objetivos acima referidos de […] ultrapassar as desvantagens destas regiões decorrentes da sua situação geográfica afastada do continente europeu, da sua orografía particular, das suas insuficiências de infraestruturas e do seu atraso económico".
Importa realçar o grande alcance político de, pela primeira vez, terem sido reconhecidos os constrangimentos permanentes e estruturais das ilhas atlânticas que iriam ser utilizados posteriormente na construção e definição do conceito de ultraperiferia (Valente, 2015, pp. 46-47).
Com o objetivo de influenciar os organismos de decisão, assistimos, desde meados da década de 1970, ao desenvolvimento de vários organismos de cooperação inter-regional, quer no quadro do Conselho da Europa, como da União Europeia. Salienta-se entre eles a Conferência, agora Congresso de Autoridades Locais e Regionais do Conselho da Europa.
Estes organismos constituíram, desde a primeira hora, verdadeiros lóbis regionais, onde os seus membros puderam reunir-se, partilhar as suas realidades e desafios e, acima de tudo, adotar declarações e propostas conjuntas que foram apresentadas às suas respetivas instituições nacionais e suas homólogas europeias comuns. No caso concreto da dimensão insular, reveste especial interesse a Comissão das Ilhas, criada em 1980, no âmbito mais amplo da Conferência das Regiões Marítimas Regionais e Periféricas da Europa, datada de 1973 (Hache, 1999, pp. 21-39).
A Região Autónoma dos Açores, criada em 1976, com a Constituição do 25 de Abril, adere à CRPM: Conferência das Regiões Periféricas Marítimas logo em 1979, na Assembleia Geral realizada em novembro, em Santiago de Compostela. Entre as regiões associadas, verificaram-se várias de natureza insular que confluíram na proposta de criação de uma Comissão das Ilhas.
A Comissão das Ilhas teve como primeira tarefa preparar a 1ª Conferência das Ilhas Europeias, que estava a ser organizada, no seguimento de iniciativa açoriana, lançada a partir de 1978, pela Conferência dos Poderes Locais e Regionais do Conselho da Europa. A sua primeira reunião de trabalho ocorreu em Nuoro, na Sardenha, na primavera de 1980 (Amaral, 2019, p. 259).
Por sua vez, a 1ª Conferência das Ilhas Europeias realizou-se em Tenerife, nas Canárias, em 1981. Os resultados do diálogo interinsular foram julgados de tanto interesse, que logo em 1984 teve lugar a 2ª Conferência, desta vez em Ponta Delgada, nos Açores. Uma 3ª Conferência viria a organizar-se em Mariehamn, nas Ilhas Aland, na Finlândia, em junho de 1991, para avaliar os primeiros 10 anos do seu desencadeamento. João Bosco Mota Amaral, então Presidente do Governo Regional dos Açores, teve a honra de ser, como promotor da iniciativa, o Relator-Geral das três conferências mencionadas.
E como o próprio Mota Amaral (2019, p. 260) refere mais tarde, "a doutrina elaborada nas Conferências das Ilhas Europeias vincou a aspiração do desenvolvimento dos povos insulares como sendo uma questão de direitos humanos a respeitar. Por outro lado, enfatizou-se que o desenvolvimento insular não é possível sem uma verdadeira autonomia política, que garanta poder de decisão e meios financeiros aos órgãos de governo próprio regional. Ou seja, a experiência da autonomia açoriana foi apresentada como fonte de inspiração para o justo processo de emancipação e afirmação dos outros povos insulares europeus.
A CRPM, fortemente imbuída dos valores europeus, é uma associação de regiões e tem por finalidade promover a colaboração entre elas e defender os seus interesses perante outras entidades europeias. Com o objetivo de organizar mais eficazmente o diálogo inter-regional europeu, a CRPM foi uma das instituições que mais diligenciou para a criação da Assembleia das Regiões da Europa. Também pressionou eficazmente para o reconhecimento da necessidade de uma presença institucional das regiões no seio da União Europeia, o que iria ser assegurado com a criação do Comité das Regiões no Tratado de Maastricht, em 1992, onde é introduzida pela primeira vez o conceito de região como entidade dotada de poder político e reconhece-lhe mecanismos de participação no processo de tomada de decisão (Valente, 2015, p. 44).
Nos dias de hoje, a CRPM mantém a sua individualidade e o seu prestígio é reconhecido. É um parceiro competente e eficaz na construção europeia. Durante vários anos, nas décadas de 80 e 90 do século passado, foi seu presidente o Presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira, Alberto João Jardim. Recentemente, foi presidente Vasco Cordeiro, na altura Presidente do Governo Regional dos Açores, mantendo após 2021 um lugar executivo na direção.
No seio da CRPM, existe uma Comissão das Ilhas que continua em frutuosa atividade, realizando reuniões regulares, na qual aborda as questões que sucessivamente ganham atualidade para as regiões insulares que dela fazem parte.
No âmbito da CRPM e da Comissão das Ilhas, foi sendo gerado o conceito de ultraperiferia, formulado pela primeira vez durante a Assembleia Geral realizada em setembro de 1987 na Ilha da Reunião. Daí tal conceito foi expresso no comunicado final do Conselho de Chefes de Estado e de Governo das Comunidades Europeias, em 1988, por sugestão do então primeiro-ministro de Portugal (Amaral, 2019, p. 260).
A Região Autónoma dos Açores, sob a liderança do seu primeiro presidente, João Bosco Mota Amaral, foi, de facto, uma das principais promotoras deste movimento de reunião e cooperação insular, conseguindo vários resultados dessa cooperação, tanto a nível interno, na sua relação com o governo nacional, como a nível europeu (Amaral, 2018, p. 33). Mota Amaral, com grande interesse na cooperação interinsular, lançou um apelo à união das ilhas, promovendo uma série de conferências organizadas sob os auspícios do Conselho da Europa, que foram fundamentais para o aparecimento em definitivo das ilhas na agenda europeia.
Patrick Guillaumin (2000, p. 108) no texto La dimension ultrapériphérique de l'Union Européenne, atribui a Mota Amaral a ideia de ter cunhado o conceito de ultraperiferia numa reunião, em 1987, da Conferência das Regiões Periféricas e Marítimas da Europa para caraterizar os Açores, a Madeira, as Canárias, a Martinica, a Guiana, a Guadalupe e a Reunião. Nesse sentido, Mota Amaral prosseguiu com o seu grito de cooperação insular em todo o mundo através do seu livro "O desafio insular" (Amaral, 1989).
Apesar da dificuldade em congregar diferentes interesses, emergiram três caraterísticas comuns que uniram este pequeno grupo de ilhas: a sua pequena dimensão, fragilidade e dependência em relação ao exterior, a grande distância dos centros continentais e o subdesenvolvimento socioeconómico (Amaral, 2018, p. 34).
Até então, a grande heterogeneidade das ilhas do continente, sob o domínio dos seus Estados, a par da condição de heteronomia política que lhes eram impostas, havia inviabilizado qualquer tentativa de adoção de políticas específicas insulares comuns. A nova e mais orientada estratégia mostrou ser um sucesso. De tal forma, que o Conselho Europeu reunido em Rhodes, no início de 1988, afirmou "reconhecer os problemas socioeconómicos específicos de certas regiões insulares da Comunidade e, por conseguinte, a solicitar à Comissão que examinasse esses problemas e a submeter, se apropriado, quaisquer propostas que considere úteis, no âmbito das possibilidades financeiras oferecidas pelas políticas comunitárias existentes, tal como foram decididas" (Conclusions of the Presidency of the European Council, 1998, p. 8).
Um ano depois, em 1989, o Conselho decide adotar o primeiro programa oficial destinado a dar resposta às necessidades específicas dessas ilhas, surgindo assim o bem conhecido POSEI - Programa de Opções Específicas, adotadas para enfrentar a distância e o isolamento qua as carateriza. Surge assim, primeiro, o POSEIDOM, para as ilhas Martinica, Guadalupe, Reunião e o enclave da Guiana. Logo seguido por outros dois: o POSEIMA, para a Madeira e para os Açores e o POSEICAN, para as Canárias (Amaral, 2018, pp. 35-36).
Estes programas têm sido sucessivamente renovados e permanecem até hoje como um dos mecanismos mais interessantes concebidos para abordar a insularidade através de um modelo de integração regional. A integração destas ilhas, de três Estados-membros diferentes, permitiu-lhes apresentarem-se às Instituições Europeias como uma unidade, iniciando caminho a uma maior participação direta, regional e insular nos assuntos europeus e na tomada de decisões (Amaral, 2018, p. 36; 2019a, pp. 29-33).
A partir de 1994, por ocasião de uma reunião da Comissão das Ilhas da CRPM, em Pointe-à-Pitre, na Guadalupe, os presidentes dos governos das Regiões Ultraperiféricas decidem passar a reunir-se com regularidade para tratar de assuntos do interesse comum das suas ilhas. Nasce assim a Conferência dos Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, que se mantém também viva e em grande e regular atividade, cada vez mais reconhecida como um parceiro fiável e credenciado das entidades europeias, ao mais alto nível.
Neste sentido, como refere Mota Amaral (2019a, p. 29), tornou-se verdadeiramente relevante aquilo que começou como sendo uma iniciativa açoriana com o objetivo, aproveitando a prerrogativa constitucional de participação em negociações internacionais, de juntar apoios para obter a definição de uma política europeia para as ilhas, acabou desencadeando um amplo movimento de afirmação das várias regiões insulares. Este movimento beneficiou os esquecidos das ilhas que deram um grande salto qualitativo em termos de qualidade de vida, ao mesmo tempo que, também a própria Europa reconhece agora a sua dimensão marítima e a projeção do seu poder e interesses pelos oceanos de todo o mundo.
A União Europeia reconheceu o estatuto das Regiões Ultraperiféricas no artigo 349 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) - Tratado de Lisboa. De acordo com o artigo 349, as medidas específicas e as derrogações na legislação da UE ajudam as regiões da
Guadalupe, da Guiana Francesa, da Martinica, de Maiote, da Reunião, de Saint-Martin, dos Açores, da Madeira e das Ilhas Canárias a lidar com os grandes desafios que enfrentam devido ao afastamento geográfico, à insularidade, à pequena superfície, ao relevo e clima difíceis e à dependência económica de um pequeno número de produtos, fatores estes cuja persistência e conjugação prejudicam gravemente o seu desenvolvimento, o Conselho, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu, adotará medidas específicas destinadas, em especial, a estabelecer as condições de aplicação dos tratados a essas regiões, incluindo as políticas comuns. (Art.° 349, TFUE)
Para atender às justas pretensões insulares, têm vindo a ser desenvolvidos programas específicos, cuja execução cabe às entidades europeias, nacionais e regionais, respeitando os respetivos níveis de competência, em aplicação do princípio da subsidiariedade. O desafio é exigente, como enuncia Mota Amaral (2019, p. 261): "o envolvimento direto e a responsabilização da União Europeia, envolvendo o Conselho Europeu, a Comissão e o Parlamento, exprime uma aplicação correta do princípio federalista e recebe claro apoio das entidades diretamente representativas dos Povos Insulares, que não consentiriam quaisquer recuos nesta matéria".
Para além disso, assistimos também ao crescimento de organismos de cooperação regional, principalmente entre regiões dotadas de autonomia política, as denominadas Regiões Legislativas, tanto a nível legislativo como executivo. Neste sentido, o Tratado de Lisboa introduziu mecanismos formais para a associação dos Parlamentos Regionais ao processo legislativo da União Europeia, nos termos dos protocolos relativos à subsidiariedade e à proporcionalidade na atuação da União Europeia (Campos e Campos, 2020).
OS AÇORES, A AUTONOMIA E A INTEGRAÇÃO EUROPEIA
A autonomia é um conceito milenar que tem sobrevivido graças à sua capacidade de corresponder às exigências dos tempos novos que se vão colocando. No dealbar da modernidade, a autonomia ressurge, porque foi capaz de se adaptar e de dar resposta às exigências colocadas pela crise que já se fazia sentir do Estado moderno soberano (Moreira, 2019).
A autonomia da Região Autónoma dos Açores tem um passado e terá um futuro, na medida em que for capaz de responder à realidade e verdade efetiva das coisas, para melhor poder projetar o seu futuro. Nos dias de hoje, confronta-se com realidades completamente distintas daquelas que se verificaram na ocasião da fundação da autonomia açoriana.
À época […] a autonomia traduziu-se na retirada de um determinado leque de competências do centro para atribuição às regiões, que se queriam como autónomas, de modo a poderem, correspondendo àquele que era um interesse específico e uma identidade específica dessas regiões, ser cada uma delas a tratar por si, e em si, das matérias que enformavam essa sua mesma identidade e esse mesmo interesse específico. (Amaral, 2017, pp. 2-3)
No quadro de uma Europa organizada em Estados soberanos, a autonomia traduzia-se numa sub-soberania ou numa soberania incompleta, segundo a própria doutrina alemã. Sub-soberania, porque se tratava de poder político, diferente de descentralização estritamente administrativa, mas não completa, porque abrange um domínio específico, aquele que enformava a identidade da comunidade que se dizia simultaneamente integrada no todo nacional do seu país, mas diferente desse todo também. Porque estava integrada no seu país, não se justificava a independência, mas era suficientemente diferente para justificar-se a autonomia (Amaral, 2017, p. 3). Foi o que se verificou nas Ilhas Aland, no início do século passado, foi o que se verificou na Dinamarca a seguir, foi o que aconteceu na Espanha, no Reino Unido, na pluralidade dos Estados europeus e foi o que se verificou nos Açores e Madeira.
Neste sentido, o Arquipélago dos Açores é autónomo porque, em primeiro lugar, criou-se o conceito de açorianidade, com Vitorino Nemésio (1932) como primeiro autor, para designar uma identidade específica; identidade específica que corresponderia a um interesse igualmente específico e que, por essa razão, para o cumprimento dessa identidade e desse interesse específico, havia que retirar competências a Lisboa e trazê-las para os Açores (Ferreira, 1995; Amaral, 2018; 2019a).
Mas para se chegar à consagração constitucional do estatuto político das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o caminho percorrido não foi linear. Foi mesmo uma história cheia de imprevistos e peripécias com os mesmos atores a desempenharem vários papéis. Todo este processo, como sublinha Medeiros Ferreira (1995, p. 27), culmina e inscreve-se num novo capítulo da história de Portugal, aberto com o 25 de Abril de 1974, que levou à conjugação do conceito de autonomia com o conceito de região, daí resultando a autonomia política regional, uma nova realidade no ordenamento espacial e político da comunidade portuguesa então em vias de democratização.
Com o desenrolar dos acontecimentos em Portugal continental depois do 25 de Abril, os revolucionários pretenderam apoiar-se no governo de Lisboa e no Movimento das Forças Armadas para operarem nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Os adversários da revolução, pelo contrário, irão provocar a desestabilização nas ilhas, chegando a apoiar-se em forças separatistas, "para alcançarem um duplo objetivo: moderar os ímpetos revolucionários em Lisboa e garantir uma autonomia político-administrativa nos territórios insulares. É esta a essência das relações entre a revolução, o separatismo e a autonomia" (Ferreira, 1995, p. 29).
A autonomia regional consagrada inicialmente na Constituição da República Portuguesa de 1976, após sete sucessivas revisões, acabou por corresponder às expectativas nacionais e internacionais na matéria (Ferreira, 1995, p. 22). A Constituição foi alterada sete vezes, inclusive como consequência da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, em 1987, que sucessivamente alargou o âmbito da autonomia e permitiu a participação dos Açores na integração europeia. Pelo que, no seu o artigo 229 sobre os poderes das regiões autónomas, incluiu na sua alínea I) o poder de "participação nas negociações de tratados e acordos internacionais que diretamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes." Esta conquista da autonomia açoriana, para além de ser consagrada na Constituição da República Portuguesa, também está inscrita no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado na sua versão original resultante da Lei n° 39/80, de 5 de agosto, referia-se à participação do país na filiação em organizações e acordos económicos internacionais diretamente relacionados com a região, bem como a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia como objeto de interesse para os Açores, tendo em vista a colaboração com o governo central de Portugal.
Este estatuto foi alterado três vezes, através das Leis n° 9/87, de 26/3, Lei n° 61/98, de 26/8, que consagra no Estatuto o direito dos Açores a participar no processo de construção europeia e a integrar as delegações portuguesas na União, que surge após a quarta revisão constitucional operada pela Lei n° 1/1997, de 20/9, artigo 227/1/v/x e Lei 02/2009, de 12/01, que também reforça a relação internacional dos Açores, dedicando o seu Título VI (artigos 121, 122 - construção europeia - 123 e 124) aos Açores (Miranda & Medeiros, 2007; Canotilho & Moreira, 2010). Toda esta evolução jurídico-política reforçou a autonomia da Região Autónoma dos Açores, permitindo assim participar nas relações internacionais que lhe digam respeito, sem estar sujeita às maiorias conjunturais que se estabelecessem no Parlamento nacional (Amaral, 2017, pp. 3-4).
Este primeiro modelo de autonomia, definido há cerca de 40 anos, foi pioneiro e absolutamente inovador à escala europeia, na medida em que alargou o interesse específico e a competência autonómica ao domínio das Relações Internacionais, no sentido de que o serviço do interesse dos Açores faz-se não só dentro de fronteiras, mas para além delas. Pois, as Relações Internacionais eram entendidas historicamente como integrando o âmago da soberania e, por isso mesmo, eram assunto absolutamente não delegável.
A autonomia açoriana tem-se traduzido em democracia, em desenvolvimento e em qualidade de vida. Mas nos nossos dias, para além das tensões existentes na relação político-administrativa entre a região autónoma e o governo central, alterou-se a circunstância política, principalmente, pelo fato de já não vivermos unicamente numa Europa de Estados soberanos. Com a globalização, por um lado, e a integração europeia, por outro, o poder político foi transferido em grande parte das capitais nacionais para Bruxelas, para as instituições europeias e para o sistema internacional. Já não se trata de retirar poder ao centro, pela razão evidente de que ele já lá não está.
É neste contexto que Amaral (2017, p. 5) tem vindo a defender o imperativo de um modelo alternativo de autonomia, já não assente na separação de poderes e na garantia constitucional, mas na cooperação e na participação. Neste sentido, autonomia significa liberdade. Liberdade será os açorianos e açorianas participarem nas decisões que afetam a sua vida. Ser livre de optar nos Açores, sobre os seus próprios destinos.
Ora, se a globalização e a integração política europeia deslocalizaram as instâncias de poder das capitais nacionais para as instituições europeias e internacionais, a autonomia só pode encontrar tradução concreta, segundo Carlos Amaral (2017, p. 6), na medida em que os Açores forem capazes de participar, de aceder onde o poder político se encontra sedeado, aos âmbitos onde a decisão política é tomada. Esta ideia reflete a posição do autor e, sendo uma posição legítima, poderá sempre ser testada e confrontada com recurso a outros autores, tarefa essa que ultrapassa as possibilidades deste trabalho.
Se por um lado, a capacidade de autonomia e de diferenciação dos Açores no computo de outras regiões reside na capacidade de acesso às entidades supranacionais, onde os seus destinos se jogam com a sua participação ou sem ela. Por outro lado, importa repensar o sistema político da Região e trazer para dentro de portas os mesmos princípios de autonomia e subsidiariedade que, como um todo, os Açores reclamam em relação ao Estado português e o Estado português reclama em relação a Bruxelas, à União Europeia e ao próprio sistema internacional (Amaral, 2019).
Neste sentido, Carlos Amaral propõe repensar o todo que é a Região Autónoma dos Açores como uma federação das suas nove ilhas, reconhecendo e consagrando as identidades múltiplas dos insulanos a nível interno, circunscritas desde sempre em primeiro lugar à unidade de ilha. Dessas identidades múltiplas, deverá corresponder uma respetiva cidadania que deverá ser plural e exige uma representatividade democrática igualmente plural. Nesse sentido, propõe a refundação da autonomia e a reconfiguração da Assembleia Legislativa Regional dos Açores em duas câmaras: uma Câmara de Representantes, capaz de nos representar a todos, de pensar os Açores enquanto comunidade de iguais, e um Senado, capaz de assegurar a representação de cada uma das nossas ilhas e da diáspora, permitindo a participação de cada uma, enquanto parte individualizada do todo que é a Região Autónoma dos Açores, em que todos os açorianos e açorianas se enraízam (Amaral 2019, p. 284).
Por sua vez, Pedro Faria e Castro (2019, p. 272) também propõe a refundação da autonomia associada ao princípio de subsidiariedade. Numa perspetiva interna, dentro da própria Região, propõe a valorização política das partes, de forma a reforçar a unidade regional e o reconhecimento do direito ao autogoverno. Se à escala europeia e nacional a regra jurídica da subsidiariedade dita que os níveis de poder superior intervenham, "se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser suficientemente alcançados" (Tratado da União Europeia, artigo 5°, n° 3). O mesmo princípio da subsidiariedade, apesar de estar salvaguardado no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, no artigo 10°, ditando que "a Região assume as funções que possa prosseguir de forma mais eficiente e mais adequada do que o Estado" e aprofundado nos artigos 108, 119, 122, 135 do mesmo Estatuto, ao mesmo tempo que foi salvaguardado nos artigos 6° e 7° da Constituição da República portuguesa, ainda tem um logo caminho a percorrer para atender às suas potencialidades e possibilidades, pelo que o objetivo da subsidiariedade deve ser reforçado na práxis do sistema político autonómico, para alcançar uma democracia mais participativa e mais representativa.
Outros autores e forças políticas, também preocupados com os problemas do sistema político açoriano, como sejam, a crescente abstenção, reveladora do desinteresse crescente pela política e a incapacidade dos partidos em acolherem e representarem a diversidade de pretensões políticas, numa sociedade cada vez mais educada e aberta ao futuro, estão a ser envolvidos num trabalho que a Comissão Parlamentar para a Revisão da Autonomia tem vindo a realizar, ainda sem resultados concretos.
Importa alargar a pesquisa e o debate na sociedade açoriana, considerando outras ideias e contributos, face a novos desafios, importa melhorar e inovar. Esse ambicioso projeto ultrapassa a parca economia do nosso artigo, pelo que terá de ficar para futuras investigações. Por agora, não será pouco, se este trabalho também tiver contribuído para captar essa tensão dialética da política açoriana, interna e externa, entre a construção europeia e as tensões do sistema político açoriano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Arquipélago dos Açores juntamente com outras ilhas e arquipélagos conferem a dimensão insular à Europa que a projeta nos vários oceanos numa aprendizagem de diálogo com outras culturas. Estas ilhas e regiões ultraperiféricas surgem também como locais únicos de investigação, de inovação e experimentação de novas soluções para os problemas que enfrentamos.
Aqui, analisámos a história da autonomia política e administrativa do arquipélago açoriano que contribuiu, não só para a emancipação política de outras comunidades insulares, como, de uma forma decisiva e organizada, para a luta política destas regiões para o reconhecimento das suas especificidades, que muito condicionam o seu desenvolvimento. O que culminou no estatuto de ultraperiferia consagrado no próprio Tratado da União Europeia.
Passados mais de quarenta anos de regime autonómico, os Açores são uma realidade completamente diferente do que eram em 1976 e um lugar muito melhor graças à dinâmica do seu autogoverno. Encontram-se, porém, em 2022, numa encruzilhada que requer respostas audaciosas para melhorar o que temos e para garantir a continuidade da autonomia política, constitucional e regional como motor do nosso progresso. Os sinais de divórcio dos cidadãos e cidadãs com as suas instituições, traduzidos nas vergonhosas taxas de abstenção nas sucessivas eleições, exigem reformas políticas. Assim haja coragem e capacidade para as empreender.
Nos dias de hoje, novos desafios se levantam no processo de construção europeia. Pelos princípios fundamentais da autonomia e da subsidiariedade, os Estados da União Europeia deixaram de ser os únicos sujeitos de Relações Internacionais, passando a partilhar tal condição com uma panóplia de outras entidades, muito em particular com as suas Regiões Autónomas. Nesse sentido, será fundamental aprofundar o estudo da autonomia açoriana, enquanto instrumento capaz de catapultar os Açores para a ribalta da esfera política, tanto a nível interno, nacional, como a nível externo, europeu e internacional.
Pelo que, permanecemos convictos de que, hoje, como ontem, os destinos dos Açores se jogam, muito para além das nove ilhas do arquipélago, no sistema de relações internacionais e nos serviços que a Região pode prestar. Daí a importância fundamental que para nós assume o mar e os estudos à sua volta, numa perspetiva interdisciplinar, que inclua as Ciências Sociais e Humanas, pela razão tão evidente que por um lado, é o mar que nos imprime projeção e dimensão às escalas europeia e internacional e, por outro, mais do que separar as ilhas do arquipélago e a região da Europa e das Américas, o mar reúne todas estas entidades, elevando a nossa pluralidade insular à unidade e catapulta os Açores, da ultraperiferia da União Europeia, para o coração da Comunidade Atlântica, Ocidental, em gestação na contemporaneidade.
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