10.18601/01207555.n25.05
VIOLÊNCIA URBANA, INSEGURANÇA E TURISMO NA 'CIDADE DO SOL' (NATAL, RN, BRASIL)1
VIOLENCIA URBANA, INSEGURIDAD Y TURISMO EN LA 'CIUDAD DEL SOL' (NATAL, RN, BRASIL)
URBAN VIOLENCE, INSECURITY AND TOURISM IN 'CITY OF THE SUN' (NATAL, RN, BRAZIL)
Betânia María Barros Feitoza
Magister en Ciencias Sociales y Humanas por la Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Brasil
[betaniabarrosrn@gmail.com]
Jean Henrique Costa
Doctor en Ciencias Sociales por la Federal University of Rio Grande do Norte
Profesor de la Maestria en Ciencias Sociales y Humanas de la Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Brasil
[prof.jeanhenriquecosta@gmail.com]
1 Fecha de recepción: 26 de enero de 2018
Fecha de modificación: 16 de julio de 2018
Fecha de aceptación: 20 de octubre de 2018
Para citar el artículo: Feitoza, B. y Costa, J. (2019). Violência urbana, insegurança e turismo na 'Cidade do sol' (Natal, RN, Brasil). Turismo y Sociedad, XXV, pp. 93-112. DOI: https://doi.org/10.18601/01207555.n25.05
Resumo
O tema da violência e sua relação com a atividade turística é o assunto sobre o qual se debruçou a presente pesquisa cujos principais eixos foram: investigar se existe uma relação entre as áreas de maior incidência da violência homicida em Natal e os espaços de maior fluxo de turistas na cidade. Buscou-se a partir de dados secundários fazer estatisticamente um comparativo entre os espaços em que predomina a violência homicida na capital e os espaços de circulação de turistas. A análise encontrou subsídio quantitativo nos dados obtidos principalmente através da série Mapa da violência, de Waiselfisz (2000, 2010 e 2014), e em Hermes, Alves e Brandão (2015). Buscou-se ainda compreender a sensação de segurança/insegurança percebida pelos visitantes nos espaços turísticos locais, de modo a captar uma parte da dinâmica da violência urbana marcada por furtos e roubos, procedendo assim a uma pesquisa de vitimização com turistas, realizada por meio de questionários. Também através de entrevista realizada junto ao representante da DEATUR/Natal (Delegacia Especializada em Atendimento ao Turista), buscou-se ouvir o que o poder público tem a dizer a respeito da crescente violência na cidade e de que maneira especificamente no que diz respeito ao turista, a DEATUR tem enfrentado o problema. Como conclusões do estudo, a pesquisa pontuou que, de fato, os espaços pretensos ao turismo não coincidem com aqueles em que impera a violência homicida, e que a cidade privilegia determinados espaços que, voltados à demanda turística, são alvos de investimentos e políticas públicas cujo objetivo é dotá-los da infraestrutura e segurança pública.
Palavras-Chave: Atividade turística, criminalidade, violência homicida, segurança, Natal/RN.
Resumen
La violencia y su relación con la actividad turística es el tema sobre el que se abordó la presente investigación, cuyo principal objetivo fue investigar si existe una relación entre las áreas con mayor incidencia de la violencia homicida en Natal (RN, Brasil) y los espacios de mayor flujo de turistas en la ciudad. Se buscó, a partir de datos secundarios, hacer estadísticamente un comparativo entre los espacios en que predomina la violencia homicida en la capital de estado del RN y los espacios de circulación de turistas. El análisis encontró subsidio cuantitativo en los datos obtenidos principalmente por medio de la serie Mapa de la violencia, de Waiselfisz (2000, 2010 e 2014), y en Hermes, Alves y Brandão (2015). Se buscó también comprender la sensación de seguridad/inseguridad percibida por los visitantes en los espacios turísticos locales, para captar así una parte de la dinámica de la violencia urbana marcada por robos, de manera que procedió así una investigación de victimización con turistas realizada por medio de cuestionarios. También, mediante una entrevista realizada al representante de DEATUR/Natal (Delegación Especializada en Atención al Turista), se buscó oír lo que el poder público tiene que decir acerca de la creciente violencia en la ciudad y de qué manera la DEATUR ha enfrentado el problema específicoe del respeto por el turista. Como conclusiones del estudio, la investigación puntuó que, de hecho, los espacios dirigidos al turismo no coinciden con aquellos donde impera la violencia homicida, y que la ciudad privilegia determinados espacios que, destinados a la demanda turística, son focos de inversiones y políticas públicas cuyo objetivo es dotarlos de la infraestructura y seguridad pública.
Palabras clave: Actividad turística, criminalidad, violencia homicida, seguridad, Natal (RN).
Abstract
The theme of violence and its relation with touristic activity is the subject which this research has been elaborated on, whose main pillars were: to investigate if there is a relation among the areas of bigger incidence of homicide violence in Natal and the spaces of bigger touristic flow in the city. It was pursued, starting from secondary data to make statistically a comparative among the spaces where predominates the homicide violence in the capital and the spaces of touristic circulation. The analysis found quantitative subsidies in the data obtained mainly in the series Map of violence by Waiselfisz (2000, 2010 e 2014) and Hermes et al. (2015). It was also pursued to comprehend the feeling of security/insecurity felt by the visitors in the local touristic places, in order to capture a part of the dynamic of the urban violence marked by thefts and robberies, resulting, thus to a victimization research with tourists, accomplished by means of questionnaires. Also through interviews carried out with the representative of DEATUR/Natal (Police Station Specialized in Attending Tourists), it was aimed to listen to what the public power has to say regarding to the increasing violence in the city and in which ways, specifically towards the tourists, DEATUR has faced the problem. As conclusions of the study, the research pointed out that, in fact, the spaces intended for tourism do not coincide with those in which homicidal violence prevails, and that the city favors certain spaces that, aimed at tourism demand, are targets of investments and public policies whose objective is to equip them with infrastructure and public safety.
Keywords: Tourist activity; Criminality; Homicidal violence; Safety; Natal/RN.
Introdução
Mídias diversas têm promovido a imagem de um Brasil no qual a segurança pública se tornou um enigma. A comercialização imagética da sensação de insegurança se tornou lugar comum em boa parte das mídias de massas. Este mercado simbólico da insegurança tem se tornado, pois, uma agenda fundamental num Brasil em que não faltam dados estatísticos sobre a expansão da criminalidade. Embora essas reportagens não tratem, corriqueiramente, de casos de violência (letal intencional) contra turistas ocorridos em solo brasileiro, a imagem do país termina sendo condicionada ao estereótipo de lugar perigoso.
Interessante destacar, como lembram Catai e Rejowski (2004), que em muitas reportagens o Brasil é citado como importante destino turístico por estrangeiros que aqui vieram e, mesmo assim, consideraram que as cidades não oferecem o perigo apresentado pela mídia ou outros meios de comunicação.
Conforme Silva e Silva (2016), a segurança pública é fator relevante na escolha de um destino turístico, mas não determinante. Para as autoras, a relação entre motivação turística e qualidade da segurança pública "não pode ser classificada como uma determinante, tanto por conta do aporte teórico que por vezes se contrapõe e é, portanto, inconclusivo, como, também, devido aos dados estatísticos e de trabalho de campo elucidados" (Silva e Silva, 2016, p. 92). Por exemplo, estudos mostram que "em média entre 50 a 60 % das pessoas vítimas de crimes, nomeadamente, roubos ou assaltos, manifestam intenção de regressar ao destino turístico apesar da experiência negativa" (Brás e Rodrigues, 2010, p. 64).
Percebe-se, pois, que a violência urbana - e suas vicissitudes - tem sido um assunto relevante para o turismo contemporâneo e repleto de contendas estatísticas e de teorização.
Também tem sido objeto de investigação cada vez mais frequente, fenômeno que tem ocupado e preocupado pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, todos buscando compreender, esclarecer, explicar e definir as dimensões do problema que no caso do Brasil tem sido denominado por alguns estudiosos de "epidemia". Tem raízes em múltiplas causas e condicionamentos, o que a torna fenômeno multifacetado a exigir por isso uma abordagem complexa e diferenciada, que leve em consideração as diversas áreas do conhecimento.
Diante disso, o presente estudo visa, a partir do desvendamento do quadro empírico concernente à segurança pública e o turismo, entender de que forma a violência urbana interfere na dinâmica da atividade turística natalense (cidade do Natal, Rio Grande do Norte, Brasil). A partir das considerações acima, objetivou-se saber em que medida os espaços da violência homicida coincidem com os espaços turísticos na cidade de Natal - Rio Grande do Norte¿ E ainda, no que diz respeito à segurança, qual a sensação de segurança (ou insegurança!) que experimenta o turista que visita a cidade¿
Para o presente estudo levou-se em consideração os números da violência no estado do Rio Grande do Norte e na cidade do Natal e sua região metropolitana, divulgados em edições da última década do Mapa da violência, de Julio Jacobo Waiselfisz (2000, 2010, 2014), bem como o mapeamento dos bairros da cidade os quais apontaram os espaços predominantes da violência homicida na capital.
O estudo foi feito levando-se em consideração registros estatísticos em torno da ocorrência de homicídios na cidade, uma vez que a violência homicida funciona como uma espécie de termômetro por meio do qual é possível ter uma dimensão do alcance da violência em determinada localidade.
Foi realizada ainda uma pesquisa de campo nos meses de outubro e dezembro de 2016 em que 60 turistas foram entrevistados na praia de Ponta Negra, litoral sul da capital potiguar. O processo de captação dos informantes se deu de forma aleatória conforme disponibilidade ao pesquisador. O questionário foi composto por 20 perguntas divididas nos seguintes blocos temáticos: 1) perfil do entrevistado; 2) hábitos de viagem; 3) opinião/vitimização.
Os questionários foram tabulados no Excel, utilizando-se da estatística descritiva básica cujo objetivo foi descrever e resumir os dados organizados na forma de distribuição de frequência. O estudo não tem caráter amostral representativo, tendo em vista que não passou por amostragem probabilística, consistindo, portanto, em um estudo de caso, logo, seus resultados são válidos exclusivamente para o número de sujeitos investigados.
Por fim, em entrevista (qualitativa) realizada junto ao representante da DEATUR/Natal (Delegacia Especializada em Assistência ao Turista), se buscou ouvir, basicamente, o que o poder público tem a dizer a respeito da crescente violência na cidade e de que maneira especificamente no que diz respeito ao turista, a DEATUR tem enfrentado o problema.
Portanto, esta pesquisa se propõe a averiguar a relação entre os locais de maior fluxo de turistas em Natal/RN com os locais de maior incidência da violência, especialmente a chamada violência homicida. Objetiva ainda investigar a respeito da sensação de segurança/insegurança percebida pelos visitantes nos espaços turísticos locais, de modo a captar uma parte da dinâmica da violência urbana marcada pelos chamados crimes contra o patrimônio, notadamente furtos e roubos.
Espaços turísticos e espaços da violência homicida na cidade do Natal
Na figura 1, através de registros extraídos dos Mapas da violência (2000, 2010 e 2014), observa-se a evolução do número de homicídios por 100 mil habitantes entre os anos de 1991 e 2012 no Brasil, na região Nordeste e no Estado do Rio Grande do Norte.
Através da figura 1 é possível observar o aumento da violência homicida no estado do Rio Grande do Norte que contava no início da década de 1990 com um número um pouco inferior a 10 homicídios por 100 mil habitantes, chegando ao patamar em 2012 dos 34,7 homicídios por 100 mil habitantes, número como se pode ver na figura bastante superior ao registrado no Brasil no mesmo período. Hermes et al. (2015, p. 20) destacam que:
O Rio Grande do Norte vivencia, como nunca antes em sua história, um dilema profundo no que se refere à segurança pública de seus cidadãos. Praticamente todas as regiões padecem de uma "pandemia de insegurança" que vai dos atentados ao patrimônio aos homicídios. Os primeiros, nenhum município escapa. Os segundos, atingindo principalmente os municípios mais populosos, economicamente mais dinâmicos e com maior índice de desigualdade social.
De fato, em uma década, de 2004 a 2014 os índices dos CVLIs (Crimes Violentos Letais Intencionais) subiram, dados esses confirmados também em diversas edições do Mapa da violência (Waiselfisz, 2000, 2010 e 2014). O Rio Grande do Norte, assim como outros estados da região Nordeste, presenciou nas últimas décadas uma ascendência da violência que se traduziu no aumento constante no número de homicídios. Houve uma espécie de generalização da violência. De acordo com o Portal no Ar (2016): "Além da capital ter tido um desempenho vexatório no Mapa da violência de 2016, o Rio Grande do Norte também aparece mal na foto. O Estado foi a unidade onde os homicídios por arma de fogo mais cresceram entre 2004 e 2014". O Portal cita ainda que em estados como Maranhão e Rio Grande do Norte o número de homicídios mais que quadruplicou no mesmo período e em 10 anos a taxa passou de 9,8 homicídios por grupo de 100 mil habitantes para 38,9 em 2014, um crescimento de impressionantes 379,8 %.
Conforme informações do Obvio (Observatório da Violência Letal Intencional, 2016), obtidas através do noticiário virtual Fala RN (2016), o Rio Grande do Norte registrou no final de dezembro de 2016, 1.900 mortes violentas intencionais, enquadrando o ano de 2016 como o mais violento da história potiguar, superando inclusive o ano de 2014 cujo número de mortes violentas intencionais foi de 1.772. Ainda segundo dados do Observatório, a Zona Norte foi a região de Natal que mais concentrou assassinatos em 2016, totalizando 41 % das ocorrências, logo em seguida está a Zona Oeste da capital com 37 % dos casos.
No caso específico de Natal, capital do Rio Grande do Norte, e Região Metropolitana, dados do SIM/DATASUS vêm evidenciando um aumento significativo nas taxas de mortes decorrentes de homicídios. De acordo com Freire e Silva (2010) apud Ribeiro (2012, pp. 20-21) os anos de 2008 e 2009 "[…] atingiram taxas brutas de mortalidade de 30,03 e 34,47 homicídios por 100,000 habitantes, respectivamente". Ainda segundo Ribeiro (2012) a dinâmica do espaço urbano somada à desigualdade de oportunidades que podem ser facilmente constatadas nas relações sociais faze da violência homicida um fenômeno que embora atinja a todos indistintamente, seja mais intenso e se concentre mais em áreas de pobreza.
A Região Metropolitana de Natal é composta por 11 municípios dos quais Parnamirim, Macaíba e a própria capital (Natal) lideram o ranking de mortes por armas de fogo. Hermes et al. (2015, p. 29) pontuam que o perfil das vítimas:
[…] segue um padrão histórico e nacional, é de homens pardos e negros, entre 15 e 24 anos, solteiros e, ousamos dizer, embora os dados oficiais não mostrem diretamente, moradores de periferias e áreas de fragilidade social. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é um elemento fundamental a ser considerado nas análises de CVLIs em qualquer parâmetro.
Natal e Parnamirim possuem áreas em que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) são bastante discrepantes (Hermes et al., 2015), ou seja, em algumas áreas o IDH é alto, mas outras evidenciam a pobreza extrema, o que contribui para agravar a violência. "A condição de desigualdade e riqueza, e com ela, ausência de políticas públicas sociais, educacionais, de saúde e lazer, são elementos agravantes, em termos estruturais, da violência homicida" (Hermes et al., 2015, pp. 29-30).
No tocante à distribuição dos homicídios a cidade de Natal vive uma verdadeira segregação espacial e, de acordo com Costa, Soares, Feitoza e Câmara (2016), os crimes contra o patrimônio como roubo, furtos, assaltos, tráfico de drogas, entre outros, ocorrem mais frequentemente nas áreas cujo potencial econômico é elevado, enquanto que os bairros nos quais as condições sociais e econômicas são precárias predominam os crimes contra a vida como o homicídio. Estes últimos concentram-se nas zonas Norte e Oeste da cidade, áreas predominantemente carentes.
Natal concentrou entre 2013 e 2015 34,43 % dos casos de CVLIs, sendo que 80 % deles ocorreram nas Zonas Norte e Oeste e de acordo com Hermes et al. (2015) justamente nessas áreas da cidade a presença de políticas públicas é frágil e deficiente e é baixo o índice de desenvolvimento, o que reforça a forte ligação com os altos índices da violência. Exemplo disso é o maior bairro em área geográfica da cidade, o bairro Nossa Senhora da Apresentação que fica na Zona Norte, e que segundo Hermes et al. (2015) é o mais populoso, mais carente em políticas públicas e o que apresenta maior taxa de ocupação territorial irregular, sendo também o mais violento. No tocante à Zona Sul, Hermes et al. (2015) reforçam que:
[…] a Zona Sul de Natal é a menor detentora de CVLIs. Sendo mais estruturada em todos os sentidos, nela concentra-se, de forma mais homogênea a renda média da cidade e, ao mesmo tempo equipamentos públicos (e também privados) de saúde, educação e segurança. (p. 36).
Os números corroboram a afirmação de que a violência, especialmente a violência homicida é predominante nas áreas desprivilegiadas da cidade, ou seja, naquelas em que as políticas públicas são insuficientes e que a presença do poder público é quase inexistente, espaços ocupados por parcela "indesejada" da população, excluída do processo de urbanização e constatemente expulsa da cidade em que vive.
Em estudo anterior, publicado na revista International Journal of Safety and Security in Tourism/hospitality (Costa et al., 2016), verificou-se que não há correlação entre os espaços da violência homicida com os espaços eminentemente turísticos natalenses. Em seu artigo, Costa et al. (2016) apresentam mapas da espacialização por bairros da taxa de homicídios nas quatro zonas administrativas de Natal. O levantamento cobre os anos de 2013 e 2014 e foi instrumento importante para a análise da segregação espacial no que diz respeito à distribuição dos homicídios na capital. Os mapas das figuras 2 e 3 a seguir, extraídos de Costa et al. (2016), demonstram exatamente esta realidade.
As áreas turísticas apontadas nos mapas das figuras 2 e 3 foram identificadas a partir do levantamento feito pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (Costa et al., 2016), que levantou áreas prioritárias de interesse turístico para a elaboração de diretrizes básicas de segurança pública aplicada ao turismo. Percebe-se nos mapas, pois, que não há cruzamento dos espaços da violência homicida com os espaços turísticos em Natal. Logo, não é difícil observar e perceber em ambos os mapas que os espaços onde o turismo se desenvolve e acontece, Zona Sul e em parte da Zona Leste da cidade, não são os mesmos, de acordo com os dados mencionados acima, em que predomina a violência homicida, ou seja, Zona Oeste e principalmente a Zona Norte.
É fato que a violência tem se expandido de forma notória nos últimos anos no estado do Rio Grande do Norte, com destaque para a capital Natal, que além de concentrar os índices mais elevados da criminalidade, especialmente da violência homicida no estado, agrega também a posição de destino turístico mais procurado e mais visitado. Da coincidência (o mesmo espaço ser o palco principal da violência e do turismo) resulta inquietação, preocupação e questionamentos a fim de compreender a relação entre essas duas variáveis e suas possíveis implicações e influências.
Turismo, violência e segurança pública em Natal/RN
A ampliação da criminalidade é fato que gera inúmeras consequências e interfere diretamente na vida das pessoas, nas suas atividades e até nas suas escolhas como quando a opção por um destino turístico é feita levando em consideração variáveis como violência e segurança pública. Neste cenário de expansão da violência urbana, as cidades que pretendem ter o turismo enquanto atividade econômica em seus territórios sentem a necessidade de estruturar e racionalizar alguns elementos básicos de infraestrutura e serviços. Entre estes, a segurança pública, é, no mínimo, fator de diferenciação competitiva. Dreher e Bornhofen (2008, p. 2) colocam que, "devido aos níveis crescentes de violência que as cidades enfrentam, a segurança pública se apresenta como um desafio a ser encarado […] uma vez que os visitantes escolhem um destino turístico pela qualidade da infraestrutura oferecida, a segurança representa um fator decisivo nesta escolha".
Salutar lembrar que a violência afeta não apenas as relações e demandas da chamada "segurança pública", mas também outras áreas da realidade social. Modifica o cotidiano, os padrões de vivência social e mesmo a organização espacial de um lugar. Pior ainda, além de afetar o "direito de ir e vir", primordial no turismo, a violência em suas mais variadas nuanças afeta a democracia como um todo. (Brandão e Costa, 2015, p. 2).
Portanto, a escolha de um destino turístico encontra no temor em vivenciar experiências indesejadas, um fator limitante para uma parcela da demanda. Também Catai e Rejowski (2005, p. 245) reforçam a ideia quando destacam que "o turismo é influenciado por fatores inerentes à composição da sociedade, dentre os quais a violência. Casos de violência em uma localidade podem afetar diretamente a sua procura como destino turístico […]". Ainda Brandão e Costa (2015, p. 1) pontuam que "a questão contemporânea da violência e da criminalidade não está dissociada da problemática do turismo e do lazer. Pensar uma cidade e seus espaços destinados aos 'visitantes' é pensar também como esses mesmos espaços servem para o 'autóctone'". Dito de outra maneira, é pensar nas condições de vida e convivência ofertadas àqueles que vivem na cidade, o que não exclui de forma alguma a questão da segurança, fator relevante na escolha de um destino turístico. Assim sendo, a segurança deve ser garantida aos turistas que visitam a cidade, porém, tal garantia deve e precisa ser estendida previamente aos seus moradores.
Entretanto, é preciso lembrar que, de acordo com Santos e Silva (2006, p. 14), "Violência e criminalidade não têm uma relação direta com demanda turística", ou seja, não é fator determinante, único e exclusivo para os aumentos ou quedas do número de turistas numa cidade. Partindo do mesmo raciocínio Bem, Guardiã e Sarmento (2010, p. 4) afirmam que "a violência não é um fator diretamente ligado com a demanda turística, não é um determinante exclusivo do aumento ou queda do número de turistas, mas é um dos pontos que mais altera a influência nesses índices".
Mesmo assim, a crescente expansão da violência urbana, e no cerne dela a expansão da violência homicida, tem efeitos sobre a imagem e a estruturação de um destino turístico e a variável segurança pública não deixa de ser um fator importante de diferenciação de um destino turístico e ignorar tal premissa é dotar o produto turístico e sua respectiva imagem de menor potencial de atratividade.
É fato que o medo gerado pela violência influencia diretamente o cotidiano das pessoas porque impõe limites, rotinas e comportamentos que não seriam observados e assumidos pelo indivíduo não fosse o medo e a sensação constante de insegurança que é incorporada ao imaginário coletivo. Neste sentido, as escolhas assumem papel de destaque porque irão determinar o comportamento das pessoas e a forma como elas irão encarar determinadas situações como é o caso, por exemplo, da violência. Sendo assim, a segurança pública é fator se não determinante, ao menos relevante na escolha de um destino turístico.
Já se disse que o homicídio constitui o parâmetro por meio do qual se busca medir o alcance da violência e da criminalidade no seio de determinada sociedade, grupo ou comunidade. É também o tipo de crime que permite certa mensuração uma vez que os dados são disponibilizados através de registros oficiais, porém, delitos outros como os crimes contra o patrimônio carecem de fontes precisas e confiáveis que nos possibilitem ter uma noção da incidência desse tipo de crime. Na tentativa de sanar a lacuna no tocante a esses dados, registros e informações, foi que surgiram as chamadas pesquisas de vitimização.
Existe certa dificuldade considerável na obtenção de dados que revelem os números da violência urbana, isso porque apenas uma parcela dos delitos praticados chega ao conhecimento da polícia. A subnotificação que são os crimes não reportados à polícia e o sub-registro, aqueles crimes que são reportados, porém não registrados, são alguns dos problemas encontrados quando se busca dados que deem conta da realidade acerca da violência e da criminalidade. É bastante comum que a vítima não procure a autoridade competente para fazer o registro do crime de que foi vítima e isso se deve a diversas razões. Assim, para Catão (2008, p. 82):
A disposição da vítima de informar o crime à polícia depende, entre outros: da natureza e gravidade do delito; da credibilidade da polícia; da confiabilidade no sistema de justiça criminal; do relacionamento com o agressor; do receio de represálias; do valor perdido ou por haver reparação por outras vias.
Atualmente no Brasil as principais fontes de dados sobre a violência são: o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/DATASUS); os registros das polícias civil e militar; e as pesquisas de vitimização. Estas últimas dadas as dificuldades em torno da mensuração da violência e da criminalidade, funcionam enquanto meio alternativo e ou complementar, colaborando para sanar eventuais lacunas deixadas por outras fontes como os registros policiais. São instrumentos importantes e visam obter informações junto às vítimas e a partir daí fazer uma estimativa do quantitativo de crimes ocorridos e não reportados à polícia. Sobre a pesquisa de vitimização Catão (2008, p. 82) ressalta ainda que:
Além das características das vítimas e dos agressores, por meio da pesquisa de viti-mização é possível conhecer os motivos da subnotificação e as circunstâncias em que ocorreu cada crime, bem como identificar grupos de risco (nível de exposição e vulnerabilidade) e conhecer atitudes da população em relação aos agentes encarregados da administração da justiça. Surveys de vitimização permitem também avaliar o impacto de determinados crimes sobre o sentimento de insegurança da população.
No Brasil as pesquisas de vitimização são relativamente recentes e segundo Catão (2008, p, 83): "[…] a primeira pesquisa de vitimização foi feita, no Rio de Janeiro, em 1992, coordenada pelo Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud)". De lá para cá as pesquisas de vitimização têm sido utilizadas no Brasil e funcionam como importante instrumento para o alcance da realidade sobre a violência e a criminalidade uma vez que os registros oficiais, conforme já mencionado, não conseguem dar conta da totalidade do problema. Também são importantes por indicarem as áreas mais vulneráveis e os tipos de crimes mais comuns, bem como ajudam a traçar o perfil das vítimas, contribuindo assim com possíveis estratégias e planejamentos que visem o enfrentamento do problema.
Para o presente trabalho foi realizada uma exploratória pesquisa de vitimização nos meses de outubro e dezembro de 2016. Foram entrevistados 60 turistas na praia de Ponta Negra, litoral sul de Natal. O processo de captação dos informantes se deu de forma aleatória conforme disponibilidade ao pesquisador. O questionário foi composto por 20 perguntas divididas nos seguintes blocos temáticos: 1) perfil do entrevistado; 2) hábitos de viagem; 3) opinião/vitimização. Os questionários foram tabulados no Excel, utilizando-se da estatística descritiva básica cujo objetivo foi descrever e resumir os dados organizados na forma de distribuição de frequência. Este estudo de vitimização não tem caráter amostral tendo em vista que não passou por amostragem probabilística, consistindo, portanto, em um estudo exploratório; logo, seus resultados são válidos exclusivamente para o número de sujeitos investigados. A pesquisa é exploratória e nas palavras de Gil (2002, p. 41): "Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado". Ainda de acordo com Gil (2002) esse tipo de pesquisa na maioria das vezes assume a forma de estudo de caso.
Conforme já mencionado o questionário utilizado para a abordagemjunto aos turistas foi composto por 20 perguntas divididas em três blocos temáticos. O primeiro bloco temático tratou acerca do perfil do informante. Sete questões tiveram como objetivo identificar o perfil do turista entrevistado.
Percebeu-se que a maioria dos informantes é oriunda do estado de São Paulo, precisamente 22 % deles. Em seguida, aparecem turistas vindos de outros países (8 %), bem como os estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Distrito Federal com o mesmo percentual. Já os estados do Paraná, Rio Grande do Sul e demais localidades do próprio estado do Rio Grande do Norte aparecem em seguida com 7 % cada. O vizinho estado da Paraíba contou com 5 % dos turistas e, por fim, os demais estados mencionados somaramjuntos 20 % do total. Portanto, os dados revelam uma diversidade de turistas vindos das mais diversas localidades do Brasil e até de outros países, o que reflete e reforça o aspecto turístico do lugar.
Referente ao sexo do informante, 58 % deles pertencem ao sexo masculino e 42 % ao sexo feminino. A maior parte deles encontra-se na faixa etária dos 25 aos 34 anos.
Concernente a ocupação profissional, 30 % dos informantes eram servidores públicos, em segundo lugar com 25 % apareceram os profissionais autônomos. Aposentados ou pensionistas representaram 14 % do total dos informantes e 13 % para os comerciá-rios e industriários. Em seguida vieram os profissionais liberais com 12 %, além de estudantes e pessoas que exercem outros tipos de ocupações com 3 % cada.
Quanto ao estado civil dos informantes, 83 % deles, portanto, a grande maioria respondeu manter união estável e apenas 17 % afirmou não viver em união estável.
Acerca da escolaridade, metade dos turistas abordados afirmou ter curso de nível superior completo, 28 % nível médio, em seguida com 7 % do total aparece aqueles que disseram ter mestrado, 5 % com nível superior incompleto e 4 % com ensino fundamental. Doutorado e ensino técnico aparecem com 3 % dos informantes cada.
Por fim, sobre a renda mensal, cinco (5) informantes disseram ter renda de até 01 salário mínimo e 13 informantes afirmaram ter renda mensal de um pouco mais de 1 salário até 3 salários mínimos. Número considerável dos turistas, ou seja, 18 deles afirmaram ganhar acima de 3 e até 5 salários mínimos. 14 turistas disseram ter renda mensal na faixa de 5 a 7 salários mínimos e 10 entrevistados disseram ganhar acima de 7 salários mínimos.
Os dados da pesquisa revelam, portanto, que o perfil dos informantes é composto por turistas cuja maioria é oriunda do estado de São Paulo, porém pode-se observar a presença de turistas de diversos estados da federação como, por exemplo, Minas Gerais, Mato Grosso, Distrito Federal, Paraná, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, entre outros. Mais da metade dos informantes encontra-se na faixa etária que oscila entre 25 e 54 anos e mais da metade também pertence ao sexo masculino. A ocupação é predominantemente de servidores públicos e profissionais autônomos e a quase totalidade deles vive em união estável. A respeito do nível de instrução ou escolaridade, mais da metade apresenta nível superior completo ou mestrado ou ainda doutorado. A renda média mensal de mais da metade dos turistas abordados gira em torno de 3 a 7 salários mínimos. Portanto, o perfil dos turistas revelado através dos dados colhidos nos questionários nos permite afirmar que não há uma relação de correspondência entre o perfil desses turistas com o perfil de quem mais morre assassinado no Brasil que, conforme já visto anteriormente, são jovens e provavelmente moradores de áreas periféricas e cuja faixa etária varia de 15 a 24 anos.
O segundo bloco temático do questionário tratou acerca dos hábitos de viagem dos informantes cuja pergunta inicial referiu-se à quantidade de vezes que o entrevistado esteve em Natal. Foi observado que a maior parte dos turistas, mais precisamente 49 deles, afirmou que esteve em Natal entre 1 e 2 vezes, 8 pessoas estiveram acima de 5 vezes e 3 pessoas estiveram na capital entre 3 e 5 vezes.
Quando indagamos sobre o motivo de estarem na cidade, 90 % dos turistas, portanto, a maioria esmagadora disse estar a lazer, 5 % dos informantes estava em Natal por motivos familiares, 2 % estava a negócios e também 2 % deles afirmou estar na capital por outros motivos. Apenas 1 % disse estar em função dos estudos.
Quase metade dos informantes, ou seja, 46 % afirmaram estar acompanhados dos respectivos cônjuges, 27 % estavam acompanhados de parentes, 3 % disseram estar sozinhos, 12 % informaram que estavam acompanhados dos filhos e o mesmo percentual aplicou-se também aos que afirmaram estar acompanhados de amigos.
Grande parte dos turistas utilizou o avião como meio de transporte para chegar à capital potiguar, mais precisamente 83 %, os outros 17 % afirmaram ter chegado à cidade através de automóvel.
Sobre a permanência do turista na cidade, a maioria afirmou que pretendia permanecer 8 dias em Natal, 17 deles para ser mais exato. 12 responderam que pretendiam ficar na cidade em torno de 7 dias, para 7 turistas o tempo de permanência seria de 6 dias, 5 deles ficariam na cidade por 5 dias e 6 permaneceriam por 10 dias na capital. Ainda 4 turistas afirmaram que ficariam 2 dias em Natal e outros 3 permaneceriam 3 dias. Por fim, 2 informantes disseram que ficariam 4 dias na capital e outros 2 apenas 1 dia. 1 turista respondeu que permaneceria 9 dias e mais 1 afirmou que ficaria em Natal por 12 dias.
A pergunta seguinte indagou acerca do local em que o turista estava hospedado na cidade e 88 % deles informaram estar hospedados em hotéis e ou pousadas, 10 % afirmaram estar hospedados em casas de parentes ou amigos e apenas 2 % disseram que estavam utilizando outros tipos de hospedagens.
Em seguida foi indagado sobre o bairro em que os informantes estavam hospedados, 80 % afirmaram que o bairro do local de hospedagem era o bairro de Ponta Negra, localizado na Zona Sul de Natal. 5 % disseram que estavam hospedados no bairro de Lagoa Nova também na capital, outros 5 % informaram estar hospedados em Parnamirim, município que faz parte da grande Natal, e os demais espalhados em outros bairros da cidade como: Capim Macio, Areia Preta, Centro, entre outros.
Perguntados sobre que locais frequentaram ou pretendiam frequentar estando em Natal e uma vez que todos os informantes estavam na praia de Ponta Negra, a apontaram como um de seus primeiros destinos turísticos na cidade bem como o Morro do Careca Foram citadas ainda outras praias urbanas de Natal e também o Forte dos Reis Magos. Muitos revelaram ter interesse em conhecer outras praias pertencentes a municípios vizinhos como as praias de Genipabu, Pirangi, Pipa, Maraca-jaú entre outras. Locais como a Barreira do Inferno (Base da Força Aérea Brasileira para lançamentos de foguetes) fundada em 1965, localizada na Rota do Sol no município de Parnamirim, o Maior Cajueiro do Mundo ou simplesmente Cajueiro de Pirangi também localizado no município de Parnamirim e algumas lagoas como Lagoa de Arituba e Lagoa Carcará no litoral sul ou ainda as lagoas de Jacumã e Pitangui ambas localizadas no litoral norte da cidade também foram citados como locais de interesse para visitação.
A preocupação central que permeou o segundo bloco do questionário foi tentar extrair/conhecer os hábitos de viagem do turista que chega a Natal. A ideia foi fazer uma espécie de levantamento das práticas e costumes dos turistas em suas viagens. Logo, as informações extraídas do segundo bloco do questionário mostram que de fato as áreas de concentração de turistas em Natal estão predominantemente localizadas na parte sul da cidade, notadamente no bairro de Ponta Negra. Percebe-se, portanto, que áreas periféricas de Natal como as Zonas Norte e Oeste e cujos bairros concentram o índice mais elevado da violência homicida conforme visto nos mapas da espacialização por bairros da taxa de homicídios na cidade, não são, em grande parte, objeto de visitação dos turistas (por exemplo, apenas um turista informou estar hospedado na zona norte, no conjunto Santarém).
O terceiro e último bloco temático do questionário tratou acerca do tema propriamente dito da pesquisa, ou seja, a vitimização. Bem como indagou a respeito da opinião do informante sobre a sensação de segurança/ insegurança percebida na cidade. A questão inicial quis saber se os turistas consideravam Natal uma cidade perigosa e 85 % disseram que não consideravam Natal uma cidade perigosa, em contrapartida, 15 % responderam afirmativamente. Entre os que responderam de forma afirmativa, a maioria apontou como justificativa para o fato de considerarem Natal uma cidade perigosa, a exposição da mídia quanto à violência na capital. Outro motivo alegado pelos turistas referiu-se ao escasso policiamento que segundo eles logo que chegaram à cidade já puderam observar, bem como, afirmaram ainda que durante os dias que estiveram em Natal sentiram falta de um policiamento mais ostensivo. Outras razões ainda apontadas foram o fato de Natal ser uma cidade turística o que por si já seria motivo de insegurança e mais precisamente 2 turistas alegaram considerar Natal uma cidade perigosa em função dos assaltos.
Seguindo esta linha de raciocínio a pergunta seguinte indagou se o turista já teria sido vítima de algum crime na cidade. A maioria esmagadora, ou seja, 98 % dos informantes disse nunca terem sido vítimas de crimes em Natal, apenas um turista respondeu que foi vítima de furto de objeto na capital e que procurou os órgãos de segurança pública competentes com o objetivo de registrar o ocorrido.
A penúltima pergunta do questionário indagou se o informante conhecia alguém que já houvesse sido vítima de algum crime na cidade e 93 % respondeu não conhecer ninguém que tenha sido vítima de crime em Natal, ao passo que em torno de 7 % afirmaram conhecer alguém que já foi vítima de algum crime na cidade.
A última do questionário e indagou sobre a sensação de segurança ou insegurança do turista na cidade de Natal. Mais da metade dos turistas, precisamente 65 % afirmaram que se sentiam seguros em Natal, 20 % respondeu que se sentiam um pouco seguros, 8 % disseram que se sentiam absolutamente seguros e 7 % afirmaram que não se sentiam minimamente seguros na capital.
De acordo com a análise do conjunto das informações colhidas a partir dos dados, embora a maioria dos informantes seja do estado de São Paulo, é notória a diversidade de turistas das diversas regiões do país e de vários estados. Percebeu-se ainda que quantidade significativa deles se encontrava hospedada em hotéis ou pousadas localizadas no bairro de Ponta Negra, bairro turístico por excelência, situado na Zona Sul da capital. Ainda segundo a pesquisa de campo, número considerável dos informantes, ou seja, 85 % deles não considera Natal uma cidade perigosa, entretanto, apenas 65 % disse se sentirem seguros na cidade. Mesmo incluindo os 8 % dos turistas que afirmaram se sentirem absolutamente seguros em Natal, os dados revelam que há uma margem de informantes, mais especificamente 12 % que demonstrou certa confusão ou incoerência entre uma resposta e outra, já que responderam não achar a cidade perigosa, pelo raciocínio lógico, deveriam sentir-se seguros também.
Outro dado relevante trazido pela pesquisa de campo refere-se ao fato de que quase 100 % dos informantes declararam não terem sido vítimas de nenhuma espécie de crime em Natal e ainda indagados a respeito da sensação de segurança/insegurança na cidade, apenas 7 % afirmaram não se sentirem minimamente seguros na capital o que revela que entre 93 % dos informantes, há os que se sentem seguros em Natal, os que se sentem pouco seguros e ainda aqueles que afirmaram sentirem-se absolutamente seguros. Ou seja, não há entre os turistas abordados a sensação generalizada de insegurança.
É importante destacar ainda que o turismo na capital potiguar embora não esteja presente em áreas de violência homicida convive lado a lado com áreas nas quais a incidência de homicídios é bastante alta. Dito de outra maneira, a espacialidade dos homicídios em Natal, ou seja, as áreas de predominância da violência homicida na cidade, embora se encontrem próximas do ponto de vista geográfico daqueles espaços propensos ao turismo, essa violência não alcança o turista, uma vez que ela já tem sexo, idade, cor e condição econômica e social preestabelecida e ou predeterminada. A esse respeito destacamos as palavras do representante da DEATUR/Natal (Delegacia Especializada em Assistência ao Turista) em entrevista realizada com o objetivo de buscar uma melhor e mais abrangente compreensão acerca do fenômeno da violência, bem como sua relação com a atividade turística na capital potiguar, diz ele: "A gente observa que geograficamente, o município de Natal, diferente de outras capitais, a periferia é no entorno das praias onde há uma maior concentração de turistas" (Entrevistado, 2017).
A entrevista realizada junto ao representante da DEATUR buscou extrair a percepção do órgão e através dele do Poder Público sobre a relação turismo e criminalidade em Natal, assunto que passaremos a abordar a seguir.
DEATUR/Natal: percepções acerca da relação turismo e criminalidade
A entrevista realizada junto ao representante da Delegacia de Assistência ao Turista -DEATUR ocorreu no dia 29 de março de 2017 na própria sede do órgão, localizada no bairro de Capim Macio em Natal.
Indagado sobre como a Delegacia de Assistência ao Turista - DEATUR percebe a expansão da violência homicida no Rio Grande do Norte e de que forma, se for o caso, essa violência tem impacto no turismo, o representante da DEATUR argumentou que a violência é nacional e engloba todos os setores. Ou seja, a violência não estaria restrita a uma região, estado ou capital, revelando-se principalmente nos dias atuais um problema que no Brasil assumiu proporções alarmantes e cujo Estado está longe de manter sob controle. De acordo com ele, no caso do Rio Grande do Norte e especificamente em Natal, a situação é ainda mais crítica pelo fato de ser uma região turística e por ser a capital.
Sobre quais seriam as principais ocorrências atendidas pela DEATUR, ele se reportou imediatamente aos crimes contra o patrimônio, especialmente furtos e roubos como os tipos de delitos mais praticados contra o turista. Nas palavras dele no que diz respeito ao turista: "Raramente se tem alguma ocorrência envolvendo algum homicídio, alguma outra coisa, são basicamente crimes contra o patrimônio, geralmente furtos, arrombamentos, subtração e roubos" (entrevistado, 2017). Ainda sobre a incidência de homicídios envolvendo turistas em Natal ele esclareceu que é o tipo de situação que raramente acontece. Suas palavras corroboram a afirmação de que de fato não há uma relação de proximidade da violência homicida com o turista em Natal (conforme visto nos mapas das figuras 2 e 3), uma vez que esse tipo de violência tem endereço, ou seja, ocorre predominantemente em áreas da cidade menos favorecidas econômica e socialmente; tem sexo, idade, cor e classe social, já que as vítimas são em sua grande maioria jovens do sexo masculino e pobres.
Perguntado sobre quais seriam as manchas de criminalidade contra o turista na cidade, ele foi categórico em apontar as praias urbanas como o principal foco da criminalidade contra o turista, ou seja, como o local onde se dá o maior número de ocorrências. Segundo ele, mesmo que o poder público se faça presente nesses locais, a violência ainda persiste. Aqui, o entrevistado denuncia que no Brasil o poder público se mostra no mínimo incapaz de enfrentar o problema da violência e da criminalidade nas proporções em que se apresenta no atual estágio da sociedade contemporánea e de responder satisfatoriamente à necessidade de garantir a segurança do cidadão. Para o representante da DEATUR o Estado atualmente sofre de uma deficiência enorme no quesito segurança pública, um problema da conjuntura nacional, mas que apresenta um quadro ainda mais crítico nas capitais do Nordeste.
Enfatizando o que foi declarado pelo representante da DEATUR, de fato os números da violência extraídos de edições recentes do Mapa da violência organizado por Waiselfisz e sua equipe conforme vimos, mostram que em algumas capitais do Nordeste a criminalidade disparou. Capitais que não faz muito tempo eram consideradas relativamente calmas e cuja taxa de homicídios mantinha-se dentro do limite considerado tolerável pela ONU, tiveram aumento significativo no índice de homicídios como é o caso de Natal por exemplo.
Questionado sobre quais ações têm sido desenvolvidas pela polícia do turista em Natal no sentido de coibir a violência dirigida ao turista, o entrevistado esclareceu que:
(…) na verdade a gente faz um mapa geográfico das ocorrências, porque é aqui que se faz as ocorrências envolvendo o turista, aí a partir das ocorrências e da maior incidência de crimes é que se faz um planejamento em cima dos locais. É um jogo de gato e rato, se ocorre maior incidência na praia do Forte, a gente faz um trabalho em cima daquela região, mas deixa que quando se faz um trabalho em cima da região, aumenta a criminalidade, vamos dizer, em Ponta Negra e assim sucessivamente. A violência migra para outros lugares, a gente segue de acordo com as ocorrências que se faz no mapa. (Entrevistado, 2017).
Ainda a respeito das ações desenvolvidas pela DEATUR, questionou-se se seria correto afirmar que essas ações se concentram nas áreas nobres da cidade e de acordo com o entrevistado de fato essas ações ocorrem exatamente nos locais em que se dão as ocorrências envolvendo os turistas, mais especificamente nas praias urbanas. Portanto, de acordo com o entrevistado, as ações da DEATUR realmente concentram-se nas áreas costumeiramente frequentadas pelos turistas, isto é, nos espaços que são as vitrines responsáveis pela promoção da cidade enquanto destino turístico.
Questionamento não menos relevante foi a respeito de Natal ser ou não considerada uma cidade perigosa para o turista e segundo o representante da DEATUR:
Sim, porque as áreas turísticas geralmente são cercadas de áreas de periferia e não têm o policiamento adequado, então em si torna-se perigosa nos pontos turísticos de Natal. É sim uma cidade considerada perigosa para o turista, principalmente o turista desavisado. Mesmo nas áreas ditas nobres da cidade essa violência predomina bastante. Como operador da segurança pública a gente nota que Natal já foi uma cidade mais tranquila e hoje é uma cidade violenta, inclusive nas áreas nobres, em todas as áreas. (Entrevistado, 2017).
Importa destacar que para o representante da DEATUR um dos fatores que tem importante parcela de contribuição para a violência contra o turista em Natal é o fato de suas áreas ou espaços turísticos, cujas praias urbanas são o cenário principal, encontrarem-se cercadas por áreas de periferia, espaços econômicos e socialmente "desfavorecidos", bem como à deficiência de policiamento adequado. Para ele, Natal é sim uma cidade considerada perigosa para o turista mesmo naqueles espaços reservados ao negócio do turismo, nas áreas ditas nobres da cidade.
Embora o turismo dependa de diversos fatores e variáveis tais como uma rede de serviços destinada às demandas da atividade turística como a oferta de hotéis, pousadas, bares, restaurantes, serviços de deslocamento e etc., a variável segurança pública não deixa de ser importante tendo em vista o alcance e a dimensão atingida pela violência e a criminalidade nos últimos anos em Natal, cidade berço e palco principal do turismo no estado do Rio Grande do Norte. A elevação nas taxas de homicídios nos últimos anos na capital potiguar preocupa e embora a pesquisa de vitimização realizada junto aos turistas e os registros que apontam onde esse tipo de violência predomina na cidade, tenham revelado que a violência homicida não circula pelos mesmos espaços reservados ao turismo em Natal, não havendo, portanto, uma relação direta entre os homicídios na capital potiguar e a presença de turistas, não faz da cidade um lugar seguro para quem a visita. Em Natal, de acordo com o representante da DEATUR os turistas são alvos principais dos chamados crimes contra o patrimônio, embora a pesquisa de campo realizada junto aos turistas tenha revelado que a maioria dos entrevistados se sente segura na cidade e ainda que 85 % deles não considera Natal uma cidade perigosa.
Deve-se estar atento para o fato de que a violência nas proporções que se apresenta e independentemente de seus contornos e formas de manifestação é questão preocupante e sintomática de que algo está errado ou não vai bem. Ela interfere, modifica e amputa a liberdade seja de quem visita ou mora na cidade.
Considerações finais
A temática da violência tem ao longo do tempo e com maior razão nos dias atuais suscitado indagações e preocupado a sociedade de modo geral. As investigações no campo das ciências humanas mostram que o tema tem cada vez mais despertado interesse. Embora o fenômeno geral da violência não seja algo novo, visto que acompanha a sociedade desde os primordios, passa por um momento crítico e de grande disseminação o que acaba afetando de forma direta a vida das pessoas, atingindo um dos seus bens mais caros, a liberdade.
Uma das formas mais agudas da violência e mais especificamente da violência urbana é o homicídio por atingir de maneira irremediável o bem mais precioso que se tem: a vida. É também o tipo de crime cuja pena é a mais rígida se comparada àquelas aplicadas a outros crimes, razão pela qual a violência homicida funciona como uma espécie de termômetro capaz de fornecer uma noção da intensificação do fenômeno em determinada localidade.
A dinâmica de um lugar, seus hábitos, costumes, suas atividades, sua rotina e etc., podem ser e geralmente são influenciadas, modificadas e afetadas pela violência. No que diz respeito ao turismo, o fenômeno atrelado à questão da segurança pública, é de fundamental importáncia uma vez que a fragilidade das estruturas urbanas no quesito segurança pública poderá implicar no declínio da atividade turística, comprometendo a depender do destino, a manutenção de importante atividade para a economia do lugar, já que a segurança pública é elemento indissociável da rede de ofertas e serviços relacionados ao turismo e constitui fator condicionante da imagem de uma cidade enquanto destino turístico.
O perfil dos turistas revelado através dos questionários aplicados na pesquisa de campo mostrou que eles são em sua maioria do sexo masculino, precisamente 58 % contra 42 % do sexo feminino. Encontram-se na faixa etária que varia de 25 a 54 anos e a renda mensal varia de 3 a 7 salários mínimos. Percebe-se que o perfil do turista mostrado por meio da pesquisa de campo não foge muito ao perfil médio do turista doméstico no Brasil. Porém, quando comparamos o perfil dos turistas revelado através dos dados colhidos nos questionários com o perfil de quem mais morre assassinado no Brasil, que conforme visto são homens, jovens, negros, pobres e moradores de áreas periféricas, cuja faixa etária varia de 15 a 24 anos, observamos que não há em absoluto uma relação de correspondência entre ambos os perfis.
Em conversa informal com os turistas abordados, grande parte deles revelou que a maioria dos passeios realizados pela cidade ocorreu ou ocorreria durante o dia, uma vez que os locais de maior atração e visitação foram/seriam as praias e lagoas. É possível que o horário escolhido pelo turista para "explorar" a cidade exerça alguma influência na sua percepção quanto à segurança. Ainda no que diz respeito à percepção do turista quanto à segurança, especula-se que o tempo de permanência desse turista na cidade também exerça influência, já que quanto maior o tempo de permanência maior a probabilidade de vir a ser vítima de algum tipo de crime. Ainda a esse respeito, em conversa informal com os turistas alguns revelaram sentir dificuldades em avaliar sua percepção quanto à sensação de segurança ou insegurança na cidade de Natal uma vez que o tempo de permanência teria sido insuficiente para tal avaliação. Porém, deve-se reforçar que a média do período de permanência em Natal dos turistas abordados foi de 7 a 8 dias, tempo considerado razoável para este tipo de passeio.
Através da análise cartográfica foi possível perceber que em Natal a violência homicida ocorre nas áreas periféricas, geralmente (mas não determinante) fora dos espaços culturais das classes médias e da elite, concentrando-se nas demais regiões onde habitam, socia-bilizam-se, circulam e vivem a maior parte da população. Por outro lado, percebeu-se ainda que todos os espaços de atração e de destinação turísticos estão localizados em duas áreas consideradas nobres da cidade: Zona Sul e Zona Leste. Ao mesmo tempo, essas regiões possuem as melhores infraestruturas de serviços como saúde, educação, saneamento básico, comércio e segurança pública. Por conseguinte, os espaços da violência homicida (periféricos) não coincidem com os espaços luminosos que são pretensos ao turismo. Percebe-se, pois, que as ocorrências de homicídios se espacializam em áreas com precário desenvolvimento socioespacial, implicando que, em termos de relação entre turismo e segurança pública, termina por não coincidir os espaços de circulação de visitantes com os espaços da violência homicida, embora que geograficamente falando guardem certa proximidade como bem destacou o representante da DEATUR. Contudo, mesmo com este relativo distanciamento, não se descarta a possibilidade de a violência homicida gerar impactos na formação de um destino turístico, pois para além da violência homicida, há outras interfaces da violência urbana que interferem na atividade turística, como por exemplo, os crimes contra o patrimônio com destaque para furtos e roubos, pois como a violência tem múltiplas causas, múltiplas serão as formas em que se apresentará.
A título de provocação para estudos futuros, uma reflexão que se nos apresenta, diz respeito, por exemplo, ao fato de que em termos estruturais, realmente a violência homicida não afeta a totalidade do turismo em Natal. Contudo, sabemos que em termos de imagem e representação simbólica, é notório que o assassinato de um turista exerça um forte apelo midiático, pois o turismo vende imagens, vive do imaginário e o impacto gerado por um fato desta natureza é enorme. A mídia costuma dar ênfase aos atos de violência e se estes forem cometidos contra turistas, melhor dizendo, contra a vida do turista, a repercussão assume grandes proporções.
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