10.18601/21452946.n22.02

A lei brasileira de incorporação de imóveis urbanos abandonados: 0 caso do imóveis ocupados por famílias sem-teto

La ley brasileña de incorporación de inmuebles urbanos abandonados: el caso de inmuebles ocupados por familias sin techo

Brazilian Legislation Incorporating Abandoned Urban Property to Public Dominion: The Case of Real Estate Occupied by Homeless Families

Eduardo Faria Fernandes1
Marcelo Queiroz2

1 Mestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense (PGDC/UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Graduado em Direito pela Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ). Procurador do Município de Niterói. Integrante do Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direito Administrativo Contemporâneo (GDAC/UFF). Correo-e: efariafernandes@gmail.com. Enlace ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0323-151X.
2 Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Advogado militante. Correo-e: marcelo.ppgdc@gmail.com. Enlace ORCID: https:// orcid.org/0000-0002-4977-7297.

Fecha de recepción: 25 de enero de 2019. Fecha de modificación: 15 de marzo de 2019. Fecha de aceptación: 8 de mayo de 2019.

Para citar el artículo: Faria Fernandes, Eduardo y Queiroz, Marcelo, "A lei brasileira de incorporação de imóveis urbanos abandonados: o caso do imóveis ocupados por famílias sem-teto", Revista digital de Derecho Administrativo, Universidad Externado de Colombia, n.° 22, 2019, pp. 9-34. DOI: https://doi.org/10.18601/21452946.n22.02


RESUMO

As maiores cidades brasileiras têm sofrido com o grande número de imóveis urbanos em estado de abandono. A falta de manutenção que gera riscos de colapso estrutural e a falta de conservação e limpeza que possibilita a proliferação de vetores de doenças como a dengue, a zica e a febre amarela são apenas alguns dos riscos causados por imóveis abandonados. Como uma das alternativas para o enfrentamento do problema, este estudo investiga a utilização de mecanismos legais que autorizam a incorporação dos imóveis abandonados ao património público. Porém, uma vez que grande parte dos imóveis urbanos abandonados está ocupada por famílias sem-teto, um fato para o qual a legislação não oferece soluções imediatas e que tem gerado conflitos entre o poder público e as famílias sem-teto, impedindo a adoção de medidas necessárias à mitigação dos riscos inerentes ao estado de abandono. O presente artigo também analisa como a ocupação de imóveis urbanos em aparente estado de abandono por famílias sem-teto repercute sobre o instituto da arrecadação de imóveis urbanos abandonados previsto na lei brasileira.

Palavras-chave: direito administrativo, bens públicos, poderes administrativos, propriedade privada, revitalização urbana.


RESUMEN

Las ciudades brasileñas más grandes poseen un gran número de inmuebles urbanos en estado de abandono. La falta de mantenimiento genera riesgos de colapso estructural y, junto con la falta de conservación y limpieza, posibilitan la proliferación de vectores de enfermedades como el dengue, el zica y la fiebre amarilla, solo por mencionar algunos de los riesgos asociados a estos inmuebles abandonados. Como alternativa para enfrentar el problema, el presente estudio investiga la utilización de mecanismos legales que autorizan la incorporación de los inmuebles abandonados al patrimonio público. Sin embargo, dado que gran parte de los edificios urbanos abandonados están ocupados por familias sin techo, un hecho para el cual la legislación no ofrece soluciones inmediatas, se evidencian conflictos entre el poder público y esta población vulnerable, que dificultan la adopción de las medidas necesarias para la mitigación de los riesgos inherentes al abandono, así como la correcta gestión de los mismos.

Palabras clave: derecho administrativo, bienes públicos, poderes administrativos, propiedad privada, revitalización urbana.


ABSTRACT

Major Brazilian cities have a large number of urban properties in a state of abandonment. The lack of maintenance and cleanliness worsens the risk of structural collapse and causes the spread of diseases such as dengue, zika and yellow fever, which are some of the jeopardies associated to abandoned properties. As an alternative to address the issue, this paper analyses the use of legal mechanisms, authorizing the incorporation of the abandoned properties into public property. However, some abandoned urban properties are occupied by homeless families, a fact not foreseen by current legislation, and that has triggered off conflicts between the public administration and homeless families. These conflicts prevent the adoption of necessary measures to mitigate the risks inherent to abandonment, as well as proper management of city-owned estate.

Keywords: Administrative Law, Public Property, Administrative Powers, Private Property, Urban Revitalisation.


INTRODUÇÃO

A promoção da efetivação do direito fundamental social à moradia é um desafio atual e gigantesco a ser enfrentado pelo Estado brasileiro em todas as suas instâncias. De acordo com o último levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro (estudo que teve como referência o ano de 2015 e foi publicado em 2018)3, estima-se que, em 2015, o déficit habitacional brasileiro estivesse em 6,355 milhões de domicílios, dos quais 87,7% estariam localizados nas áreas urbanas.

Diante da gravidade do cenário habitacional brasileiro, o Estado tem adotado instrumentos jurídicos para a promoção de políticas públicas direcionadas objetivamente à diminuição do déficit habitacional existente, é o caso da Lei n.° 11.977/2009, que instituiu o Programa Minha Casa, Minha Vida (Lei n.° 11.977/2009), e da recente Lei n.° 13.465/2017, que dispõe sobre políticas públicas voltadas à regularização fundiária rural e urbana.

A chamada Lei da Reurb (Lei n.° 13.465/2017) atualizou o regime jurídico dos procedimentos de regularização fundiária, positivando uma série de instrumentos jurídicos destinados ao oferecimento de soluções legais para problemas práticos comuns na realidade das cidades brasileiras, entre os quais merece destaque o grande número de imóveis em aparente situação de abandono no ambiente urbano, um fato cada vez mais recorrente, que implica consequências muito negativas, comprometendo, sob diversos ângulos, o pleno atingimento das funções sociais da cidade sustentável.

Entre os instrumentos da Reurb elencados no art. 15 da Lei n.° 13.465/2017, este trabalho se dedica ao estudo da arrecadação de bem vago (art. 15, IV, Lei n.° 13.465/2017) ou, como denominado no capítulo IX (arts. 64 e 65, Lei n.° 13.465/2017), da arrecadação de imóveis abandonados. Previsto na legislação em vigor desde o início da vigência do Código Civil de 2002, o instituto da arrecadação de imóveis urbanos abandonados não alcançou os objetivos que justificaram sua instituição, fato que em grande medida deveu-se às incertezas provocadas pela falta de regulamentação da norma do art. 1.276, do CC. Sob essa ótica, a Lei n.° 13.455/2017 contribuiu para a aplicabilidade do instituto na medida em que fixou normas gerais para a utilização do instituto como ferramenta de regularização fundiária.

Todavia, apesar dos méritos da regulamentação promovida pelos artigos 64 e 66 da Lei n.° 13.465/2017, algumas questões práticas que não foram contempladas por soluções no texto da lei exigem o esforço da doutrina para o oferecimento de respostas. Um dos pontos que desafiam a doutrina ante a ausência de previsão específica na Lei n.° 13.465/2017 diz respeito à repercussão da ocupação de imóveis urbanos abandonados por famílias de sem-teto sobre a pretensão arrecadatória do Poder Público local.

Através da análise da doutrina civilista dedicada ao estudo dos institutos da propriedade e da posse, bem como da jurisprudência dos tribunais pátrios que abordam o instituto da arrecadação de imóveis abandonados, neste trabalho investiga-se até que ponto a ocupação por famílias de sem-teto de imóveis urbanos em estado de abandono configura um obstáculo à arrecadação pelo Poder Público local.

A relevância do estudo realizado decorre do fato de que no ambiente urbano das cidades brasileiras tem se tornado cada vez mais presente a ocupação de imóveis em estado de abandono por famílias de sem-teto. Um quadro que desafia o instituto da arrecadação pelo Poder Público local de imóveis urbanos abandonados, uma vez que se revelam estratégias concorrentes para conferir função socialmente adequada aos imóveis sem o devido aproveitamento pelo proprietário. Assim, definir qual a repercussão das ocupações de imóveis urbanos em estado de abandono por famílias de sem-teto sobre a efetividade do instituto da arrecadação de imóveis abandonados é essencial para a eficácia da sua utilização como política pública de regularização fundiária do ambiente urbano.

1. O INSTITUTO DA ARRECADAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS ABANDONADOS

A ordem jurídica constitucional brasileira inaugurada pela Constituição Cidadã tem um claro compromisso com a efetivação dos direitos humanos fundamentais. O extenso rol de direitos positivado ao longo do texto da Carta de 1988 dá a medida exata da seriedade com a qual os constituintes expressaram o desejo popular de desenvolvimento de uma nação livre, justa e solidária.

Foi nesse contexto que, com a intenção de coibir condutas individualistas que prejudicassem ou colocassem em risco os interesses da coletividade, os constituintes originários vincularam a proteção constitucional ao direito de propriedade ao atendimento pelo proprietário ou possuidor da obrigação de observar o dever para com a função social. Assim, especificamente em relação aos bens imóveis, à luz dos regimes jurídicos constitucionais da posse e da propriedade, afirma-se que o núcleo da tutela constitucional sobre os referidos institutos vincula-se a adequada destinação dos imóveis, a ser aferida com fundamento em juízos de proporcionalidade e razoabilidade, caso a caso, de forma a permitir a consideração das peculiaridades locais e as características e a natureza de cada imóvel4.

É nesse contexto que se inserem o instituto do abandono como causa para a perda da propriedade (art. 1.275, do Código Civil de 2002 - CC), e o procedimento de arrecadação de imóveis vagos (art. 1.276, do CC) como forma de aquisição originária da propriedade imobiliária pelo Poder Público. Perfeitamente adaptados à atmosfera principiológica que se exprime da incorporação da função social da propriedade ao ordenamento jurídico brasileiro, o abandono e a arrecadação de bens vagos são duas faces que prestigiam o interesse público para que as propriedades não permaneçam indefinidamente ociosas e gerando riscos e prejuízos injustos a terceiros.

Vale dizer, contudo, que o instituto do abandono é tradicional na cultura jurídica, podendo ser rastreado até o Direito Romano, que já reconhecia ao titular do domínio a faculdade de abandonar a coisa que não mais desejava conservar em seu patrimônio5. E, mesmo no Brasil, não é novidade, pois, o Código Civil de 1916 já considerava o abandono como causa para a perda tanto da posse (art. 520), quanto da propriedade (art. 598)6.

Atualmente, para fins de interpretação da norma do art. 1.275, do CC, deve se considerar abandono ou derrelição o negócio jurídico unilateral, através do qual o titular do domínio, com intenção de abandonar determinada bem de sua propriedade, deixa de exercer sobre este qualquer ato que manifeste o exercício do domínio7.

De acordo com a doutrina de Paulo Nader, o conceito de abandono comporta um elemento objetivo (ou externo) e um elemento subjetivo (interno), respectivamente, o despojamento da coisa, caracterizado pela abstenção do proprietário de exercer as prerrogativas e atos inerentes ao direito de propriedade e a intenção de se desfazer da coisa, o animus abandonando.8

Salienta-se que só pode abandonar a propriedade sobre determinado imóvel aquele que é o titular do respectivo domínio, isso porque, na forma do disposto no art. 1.228, do CC, "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". Uma vez que apenas o proprietário tem poderes de disposição sobre as coisas em seu domínio e, consequentemente, poderes suficientes para abandoná-las, o reconhecimento da legitimidade do abandono pressupõe a demonstração de que o agente abandonante, n a época do abandono, ostentava legalmente o status de proprietário9.

Anote-se que, embora dependa exclusivamente da prática de atos que expressem a vontade unilateral do titular do domínio, cumpre esclarecer que a perda da propriedade em razão do abandono não implica na imediata transferência da titularidade do domínio para outrem, sendo certo que, no mais das vezes, o bem ficará, até que alguém dele se aproprie, sem um titular de fato10.

Nesse sentido, Milena Olivia e Donato Rentería afirmam que no direito brasileiro o negócio jurídico não cria direito real, apenas constitui título hábil a tanto, pois, a constituição dos direitos reais sobre imóveis se dá com o registro do título no registro de imóveis11.

Assim, a eficácia da perda da propriedade perante a coletividade depende da alteração da titularidade no Registro Geral de Imóveis (RGI), com a inserção do nome do novo proprietário. Logo, para fins de abandono, enquanto não for o registro alterado ou cancelado, será proprietário aquele que em cujo nome o imóvel estiver registrado junto à matrícula do imóvel (art. 1.245, §§ 1.° e 2.°, do CC).

A imposição da necessidade de se identificar corretamente o real proprietário do imóvel em aparente situação de abandono está diretamente relacionada à necessidade de demonstração do animus abandonandi. Maria Helena Diniz ressalta que para a configuração do abandono que gera a perda da propriedade imóvel deve haver a derrelição, que depende, para a sua verificação no caso concreto, de estarem as ações ou omissões do proprietário motivadas pela intenção de abdicar da propriedade, pois "a simples negligência ou descuido em relação ao bem de raiz não a caracteriza"12. Cabe destacar a lição de Carlos Alberto Gonçalves segundo a qual não é a mera negligência apta a indicar o abandono de determinado bem, pois apenas a conduta voluntária praticada com a intenção de abdicar da propriedade imóvel tem o condão de romper o vínculo dominial13.

De acordo com a definição clássica de abandono, não se exige para a sua efetivação qualquer formalidade, título ou registro, pois como anteriormente afirmado, o abandono é um ato essencialmente material e independe, para a sua efetivação, da manifestação formal do proprietário14. Dessa peculiaridade decorre uma grande dificuldade prática de identificação dos imóveis efetivamente abandonados, pois, como ressalva Caio Mario da Silva Pereira, uma pessoa pode, na verdade, deixar de exercer qualquer ato em relação à coisa, sem perda do domínio, pois o não uso é uma forma de sua utilização. A casa pode permanecer fechada, o terreno inculto, e nem por isso o dono deixa de sê-lo15.

Nesse sentido, a intenção de abandonar a propriedade é a elementar que permite distinguir o efetivo abandono, do regular exercício do direito do proprietário de utilizar a coisa de acordo com sua conveniência, ainda que seja não a utilizando temporariamente. Logo, ressalvadas as hipóteses em que o proprietário voluntariamente declarar sua intenção de abandonar, esta deverá ser identificada através da análise das circunstâncias do caso concreto. Isso porque, como a intenção se desenvolve no âmbito interno do agente, deverá ser demonstrado, acima de qualquer dúvida razoável, o desejo do proprietário de não mais conservar o bem em seu patrimônio.

Sendo assim, compete ao interessado no reconhecimento do abandono o ônus de demonstrar a partir das circunstâncias do caso concreto, que as ações ou omissões imputadas ao proprietário são emanações do desprezo deste pelo bem e aptos a revelar a intenção deste de despojar-se da sua propriedade. Pois, são justamente os atos do proprietário incompatíveis com o desejo de conservar e manter a coisa sob o seu domínio que exteriorizam o animus abando-nandi no caso concreto. Reverberando a conceituação tradicional de abandono, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consagra o abandono de imóvel como sendo "situação eminentemente fática que é aferida por meio da abstenção de atos de posse do titular"16.

No mesmo sentido, Gustavo Tepedino sustenta que no abandono ou na derrelição, "o proprietário se despoja do bem sem manifestar expressamente sua intenção". Sendo assim, percebe-se o abandono a partir das circunstâncias fáticas, do comportamento do titular, que, afastando-se do exercício das faculdades inerentes ao domínio, desviriliza-se da posse ao deixar de pagar os tributos que incidem sobre a coisa (§2.° do art. 1.276)17.

Importa destacar em relação à norma geral de arrecadação insculpida no art. 1.276, do CC que, embora o ordenamento dispense o abandonante de formalidades para a efetivação do abandono, impõe aos entes públicos a necessidade de instauração do respectivo procedimento de arrecadação, pois, como destacam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald no abandono, diferentemente do que ocorre nos casos de usucapião, o mero decurso do tempo não tem o condão de transferir a propriedade do imóvel abandonado18.

Anote-se que, embora a norma do caput do art. 1.276, do CC prestigie a conceituação clássica do instituto do abandono, merece destaque a previsão do §2.°, do art. 1.276, do CC, que positivou a presunção iuris et iure — absoluta - de abandono da propriedade dispondo que "presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais". De acordo com a referida norma, presume-se abandonada a propriedade imóvel, se, uma vez cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais que recaem sobre o imóvel. Nessa hipótese, torna-se desnecessário demonstrar a intenção do proprietário de abandonar o imóvel19.

Especificamente em relação à normatização do procedimento administrativo de arrecadação, a entrada em vigor da Lei n.° 13.465/2017 tem o mérito de ter regulamentado a norma do art. 1.276, do CC, trazendo algumas inovações substanciais. Primeiramente, a norma do caput, do art. 64, da Lei n.° 13.465/2017 expressamente restringe a incidência do instituto sobre os imóveis urbanos de natureza privada. Dessa forma, afasta qualquer possibilidade de arrecadação de imóveis públicos abandonados. Em segundo lugar, o §1.°, do art. 64 que reitera a possiblidade presunção do animus abandonandi, diferentemente do que dispõe §2.°, do art. 1.276, do CC, fixa um lapso mínimo de 5 (cinco) anos para o inadimplemento do ônus fiscais instituídos sobre a propriedade predial e territorial urbana que recaem sobre o imóvel. Além disso, deixa de qualificar como absoluta a presunção que decorre da sua incidência.

Outro flanco da norma do art. 1.276, do CC que foi enfrentado na regulamentação do instituto da arrecadação de imóveis urbanos privados abandonados pela Lei n.° 13.465/2017 foi a ausência de regulamentação de um procedimento administrativo de arrecadação que garantisse a observância do devido processo legal. A necessidade de observância do devido processo legal já havia sido destacada pelo Conselho da Justiça Federal, que editou o enunciado 242, da III Jornada de Direito Civil, fixando o entendimento de que "A aplicação do art. 1.276 depende do devido processo legal, em que seja assegurado ao interessado demonstrar a não-cessação da posse". Enfrentando essa questão, os §§2.° e 3.°, do art. 64, da Lei n.° 13.465/2017 estabelecem as linhas gerais do procedimento administrativo de arrecadação, de forma a prestigiar, ao menos em tese, o respeito ao princípio do devido processo legal, garantindo a observância dos direitos ao contraditório e a ampla defesa dos interessados.

Cumpre ressaltar ainda o reconhecimento, no §2.°, do art. 64, da Lei n.° 13.465/2017, da competência do chefe do Poder Executivo municipal para, na forma da Lei Orgânica municipal, em simetria ao disposto no art. 84, III, da CRFB, expedir decreto regulamentar para o procedimento de arrecadação de imóveis urbanos privados abandonados.

Convém destacar ainda, a norma positivada no §4.°, do art. 64, da Lei n.° 13.465/2017, segundo a qual "Respeitado o procedimento de arrecadação, o Município poderá realizar, diretamente ou por meio de terceiros, os investimentos necessários para que o imóvel urbano arrecadado atinja prontamente os objetivos sociais a que se destina", bem como a regra do §5.°, do art. 64, que reconhece, ao proprietário o direito de reivindicar o imóvel durante o lapso temporal de 3 (três) anos que antecede a efetivação da incorporação do imóvel ao patrimônio público, ao mesmo tempo em que garante ao ente público arrecadante o direito ao ressarcimento prévio, em valor atualizado, de todas as despesas em que eventualmente houver incorrido, inclusive tributárias, em razão do exercício da posse provisória, caso venha o proprietário a exercer seu direito de reivindicar a posse do imóvel declarado abandonado.

Outrossim, o art. 65, da Lei n.° 13.465/2017 dispõe sobre a destinação dos imóveis urbanos arrecadados pelos Municípios ou pelo Distrito Federal, elencando um rol de destinações admitidas. Cabe destacar a natureza exemplificativa do referido rol, pois, consideradas as autonomias municipal e distrital para a gestão do próprio patrimônio, após a incorporação, compete ao ente incorporador definir qual é a utilização mais adequada à efetivação dos interesses públicos locais e das funções sociais da propriedade e da cidade.

Por fim, insta salientar que, com a finalidade de regulamentar a Lei n.° 13.465/2017, a Presidência da República editou o Decreto n.° 9.310/2018, publicado em 15 de março de 2018, que dispõe sobre o procedimento de arrecadação de imóveis urbanos privados em seus artigos 73 e 74. Embora basicamente reitere o disposto nos art. 64 e 64 da Lei n.° 13.465/2017, o Decreto n.° 9.310/2018 traz importantes considerações acerca do procedimento de arrecadação, especificamente, quanto: a) aos meios admitidos para a notificação do titular do domínio (§§3.° e 4.°, do art. 73); b) à legitimidade para solicitar a instauração do procedimento (§5.°, do art. 73).

2. A OCUPAÇÃO DE IMÓVEIS URBANOS PRIVADOS ABANDONADOS POR FAMÍLIAS DE SEM-TETO

De acordo com estudo desenvolvido pela Fundação João Pinheiro sobre o déficit habitacional brasileiro publicado em 201820, estima-se que, em 2015, o déficit habitacional brasileiro estivesse em 6,355 milhões de domicílios, dos quais 87,7% estariam localizados nas áreas urbanas. O estudo ainda traz um dado muito significativo, destacando a contradição entre o déficit habitacional existente e o número de domicílios vagos. Pois, de acordo com a PPNAD 2015, o Brasil possui 7,906 milhões de imóveis vagos21, sendo 80,3% destes imóveis localizados em áreas urbanas. Especificamente em relação à realidade dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro, segundo o estudo publicado pela Fundação João Pinheiro, havia, em 2015, 478.011 (quatrocentos e oito mil e onze) imóveis vagos com potencial de serem ocupados. Embora a pesquisa não especifique quais imóveis urbanos vagos estariam em condições típicas de abandono, é razoável presumir que os imóveis urbanos abandonados representem um percentual significativo desse total.

O paradoxo explicitado na coexistência de números tão significativos de déficit habitacional e de imóveis vagos se traduz concretamente na necessidade em famílias que têm de arcar com o ônus excessivo do pagamento de aluguel (50,0%), residirem em condições de coabitação (29,9%), em habitações precárias (14,8%), ou em situação de adensamento excessivo dos domicílios próprios (5,2%)22.

Diante desta realidade, um número cada vez maior de famílias à margem do sistema formal de acesso à propriedade imóvel tem, no mais das vezes, por não conseguir arcar com os ônus da locação de imóveis dentro das regiões metropolitanas, recorrido às ocupações de imóveis urbanos em estado de abandono como ultima ratio na tentativa de garantir seu acesso à habitação.

A maior recorrência das ocupações de imóveis urbanos privados, supostamente abandonados, por famílias sem-teto tem suscitado o debate acerca da juridicidade da utilização dessa estratégia como ferramenta de autotutela para a efetivação do direto fundamental à moradia.

Sustentando que o direito à moradia deve prevalecer sobre o direito de propriedade nos casos em que imóveis em aparente situação de abandono são ocupados por famílias sem-teto, a Associação Nacional dos Defensores Públicos e a Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades editaram a cartilha "Direito à moradia: cidadania começa em casa!"23, na qual, expressamente defendem a legitimidade da ocupação de imóveis abandonados por quem não tem onde morar.

Defendendo um entendimento diametralmente oposto, Alexandre Costa e Rafael Acypreste sustentam que o "direito à moradia só poderia ser concedido em detrimento do direito à propriedade de acordo com as próprias flexibilizações e relativizações legais deste"24.

Insta salientar que, embora não se desconheça da existência de decisões judiciais que, em nome da efetivação do direito de moradia, mantenham famílias invasoras na posse de imóveis ocupados25, vale destacar que, majoritariamente, a jurisprudência dos tribunais brasileiros aponta para a prevalência do entendimento de que o direito à moradia não é absoluto, devendo ser resguardado dentro dos limites fixados no ordenamento jurídico brasileiro.

No âmbito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), merece destaque o entendimento firmado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2213, no qual o Ministro Celso de Mello afirmou que:

O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da República26.

Reiterando o entendimento acima exposto, no julgamento do MS 32.752/DF, o Ministro Celso de Mello consignou que

ao menos enquanto subsistir o sistema consagrado em nosso texto constitucional impõe que se repudie qualquer medida que importe em arbitrária negação ou em injusto sacrifício do direito de propriedade, notadamente quando o Poder Público deparar-se, como no caso ora em exame, com atos de espoliação ou de violação possessória, ainda que tais atos sejam praticados por movimentos sociais organizados, como o MST27.

Como se pode notar, embora a jurisprudência do STF tenha se firmado no julgamento de casos paradigma em que se discutia a invasão de propriedades rurais, mutatis mutandis, os entendimentos acima expostos são plenamente aplicáveis às ocupações de imóveis urbanos por famílias sem-teto. Primeiramente, porque o sistema jurídico constitucional de tutela da propriedade privada não faz qualquer distinção entre imóveis rurais e urbanos, razão pela qual, independentemente da localização, qualquer invasão de imóveis privados viola o direito de propriedade e à posse de terceiros, gerando grave situação de insegurança jurídica, de intranquilidade social e de instabilidade da ordem pública. Em segundo lugar, porque, assim como há um procedimento administrativo específico para a aferição da improdutividade de propriedade rural, para fins de reforma agrária, a identificação do abandono de um imóvel urbano deve necessariamente seguir o devido processo legal estabelecido para o procedimento de arrecadação. Justamente por isso, não compete aos particulares ou movimentos sociais avaliar e decidir sobre o abandono de um determinado imóvel urbano.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), apesar de prestigiar o direito fundamental à moradia (art. 6.°, da CRFB), tem reiterado a relatividade deste direito, afirmando expressamente não ser este absoluto. Em vista disso, embora deva ser efetivamente resguardado, sua proteção, necessariamente, deve ocorrer dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico em vigor28. Na prática, quando instado a se manifestar acerca de ocupações de imóveis por população de sem-tetos, desde que comprovado pelo proprietário que o imóvel ocupado/invadido não estaria efetivamente abandono, o TJRJ tem decido pela ilegalidade da ocupação decorrente do esbulho possessório, para determinar a reintegração de posse ao titular do domínio, sem direito de indenização por eventuais benfeitorias em razão da evidente má-fé29.

Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) já decidiu que estar ou não determinado imóvel cumprindo sua função social, per se, não legitima o exercício ilegal da autotutela, pois, as pretensões legítimas não devem prescindir das vias previstas no Estado Democrático de Direito30. A jurisprudência do TJMG também afirma que a expropriação imobiliária é prerrogativa do Poder Público, que só se admite segundo o devido processo legal31.

Por este ângulo, como destacam Alexandre Costa e Rafael de Acypreste, o acesso da população carente à moradia deve se dar dentro da ordem constitucional vigente, observando as normas que disciplinam os institutos legais de intervenção na propriedade privada alheia (usucapião, desapropriação, tratamento fiscal diferenciado, etc.)32.

Efetivamente, entendimento contrário implicaria defender que, em situação de conflito aparente, o direito fundamental à moradia deveria prevalecer sobre o direito de propriedade, algo que na prática poderia levar a uma total des-estabilização do sistema de tutela da propriedade imobiliária positivado no ordenamento jurídico brasileiro. Anote-se que o direito à propriedade privada é da mesma envergadura que o direito social à moradia, ambos considerados fundamentais pela ordem jurídica constitucional vigente.

Logo, nos casos concretos em que as circunstâncias fáticas revelem aparente conflito entre os direitos fundamentais de propriedade e à moradia, impõe-se que a solução do conflito se fundamente na ponderação dos valores em contraposição, garantindo-se, em qualquer caso, que a prevalência de um não se dê em detrimento da garantia de mínima preservação do outro. Isso porque a efetivação do direito à moradia não pode implicar a insuficiência da proteção do direito de propriedade.

Ocorre que, na prática, a afirmação pelo Poder Judiciário da ilicitude da estratégia de promover a ocupação de imóveis urbanos como recurso para a efetivação do direito à moradia não tem alcançado o objetivo de reprimir invasões de famílias sem-teto a imóveis urbanos em aparente estado de abandono.

Considerando que as ocupações por famílias sem-teto e o exercício da prerrogativa arrecadatória dos Poderes Públicos potencialmente disputam os imóveis urbanos em estado de abandono33, uma vez que há a possibilidade de ocorrerem situações concretas nas quais o Poder Público local tenha interesse em arrecadar como vago imóvel que, apesar do aparente estado de abandono, esteja ocupado por famílias sem-teto, é importante identificar de que forma as ocupações sobre imóveis privados urbanos repercutem sobre a pretensão arrecadatória dos Poderes Públicos locais.

3. A IMPOSSIBILIDADE DE ARRECADAÇÃO DOS IMÓVEIS URBANOS PRIVADOS ABANDONADOS QUE ESTEJAM NA POSSE DE OUTREM

A resposta acerca da repercussão das ocupações promovidas de imóveis privados por famílias sem-teto sobre eventual pretensão arrecadatória do Poder Público local em relação ao imóvel ocupado exige, a priori, a análise de qual a natureza jurídica da relação fática que se estabelece entre os ocupantes e os imóveis ocupados. Isso porque segundo o artigo 1.276, do CC, a arrecadação de imóveis abandonados pressupõe, além do efetivo abandono da propriedade pelo titular do domínio, que o imóvel não se encontre na posse de outrem34.

Primeiramente, cabe destacar que apesar do art. 1.275, do CC definir o abandono como causa para a perda da propriedade, no que concerne à propriedade imóvel, há de se ressaltar que, no ordenamento jurídico brasileiro, a mera ocupação de imóvel abandonado não é causa suficiente para a aquisição da propriedade imóvel abandonada. Como leciona Carlos Roberto Gonçalves35, para o Código Civil em vigor adquire-se pela ocupação apenas os bens móveis (art. 1.263, CC). Por sua vez, a propriedade sobre os bens imóveis só pode ser adquirida pelo registro, pela acessão ou pela usucapião. Logo, ainda que determinado imóvel esteja efetivamente abandonado, a mera ocupação não produzirá qualquer efeito imediato em relação à propriedade, até que se verifique a usucapião. Ou seja, é possível afirmar que a ocupação só será causa para a aquisição da propriedade apenas e quando estiverem presentes os requisitos da usucapião.

Assim, no que diz respeito às ocupações realizadas por famílias sem-teto sobre imóveis urbanos em estado de abandono, a discussão não tangencia o tema propriedade, justamente por esta razão, em vista da previsão do art. 1.276, do CC, importa analisar a questão sob a perspectiva da posse.

No ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de posse é normativo e está positivado no art. 1.196, do CC, segundo o qual "Considera-se possuidor todo aquele, que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou propriedade".

Por oportuno, vale recordar a definição de posse adotada por Luiz da Cunha Gonçalves, para quem posse é

o poder de fato exercido por uma pessoa sobre uma cousa, normalmente alheia ou pertencente a dono ignorado ou que não tem dono, relação tutelada pela lei e em que se revela a intenção de exercer um direito por quem não é titular dele, embora este direito não exista, nem tem que ser demonstrado36.

Ressalta-se a superação no ordenamento jurídico brasileiro da noção clássica de posse como sendo mera exteriorização da propriedade, com a afirmação da sua autonomia em relação ao direito de propriedade37. Ratificando a autonomia da posse em relação à propriedade, o Conselho da Justiça Federal editou o enunciado 492, da V Jornada de Direito Civil, segundo o qual "A posse constitui direito autônomo em relação à propriedade e deve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance de interesses existenciais, econômicos e sociais merecedores de tutela"38.

Analisando a regra do art. 1.276, do CC, Marco Aurélio Bezerra de Melo justifica a impossibilidade de arrecadação de imóveis que estejam na posse de terceiros sustentando que o Estado não tem interesse em arrecadar para si imóveis abandonados, pois para isso o ordenamento prevê a desapropriação. Segundo o autor, a finalidade do instituto da arrecadação de imóveis urbanos abandonados tem como finalidade evitar que os bens não fiquem vagos, pois isso desinteressa a sociedade39.

Além disso, Francisco Eduardo Loureiro40 destaca que a impossibilidade de arrecadação de imóvel que esteja na posse de outrem prestigia a posse como veículo de aquisição da propriedade, pois, caso contrário, a incorporação ao patrimônio municipal poderia frustrar a expectativa de terceiros possuidores quanto à consumação da usucapião do imóvel aparentemente abandonado. Sob essa perspectiva, portanto, a possibilidade de efetivação da usucapião como forma de aquisição da propriedade particular justificaria a proteção da posse, ainda que em detrimento da pretensão arrecadatória estatal.

Francisco Eduardo Loureiro ainda destaca que, como a norma positivada no caput do art. 1.276, do CC não qualifica a natureza da posse que atrai sua incidência, para fins de aplicação da ressalva prevista no caput do art. 1.276, do CC não importa distinguir a posse justa da posse injusta, posto que ambas estão igualmente contempladas na regra que restringe a arrecadação como bem vago apenas aos imóveis que não estejam na posse de outrem41.

Igualmente, não há fundamento para reconhecer tratamento distinto para a posse direta e indireta (art. 1.197, do CC), ambas dignas de proteção em face da pretensão arrecadatória estatal.

Todavia, não se pode afirmar que qualquer posse tem aptidão para afastar a possibilidade de arrecadação do imóvel urbano com base na previsão do art. 1.276, do CC. A esse respeito, o aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, no enunciado 597, da VII Jornada de Direito Civil segundo o qual "a posse impeditiva da arrecadação, prevista no art. 1.276 do Código Civil, é efetiva e qualificada por sua função social". Ressalte-se que tal entendimento é coerente, pois uma interpretação diferente poderia ensejar o reconhecimento de uma maior proteção à posse do que à propriedade. Assim, caso a posse, ainda que legítima, esteja servindo como instrumento para a violação da ordem jurídica, desvinculando-se, assim, do compromisso com a função social, nessas circunstâncias tal posse não fará jus à proteção jurídica positivada no caput do art. 1.276, do CC.

Ademais, Gustavo Tepedino destaca que apenas a posse anterior à decretação da arrecadação é idônea para obstar a arrecadação do imóvel abandonado pelo Poder Público. Entendimento plenamente justificável pelo fato de que, com a arrecadação o Estado toma publicamente a posse imediata sobre o imóvel42. Assim, qualquer tentativa de ocupação do imóvel que se dê posteriormente a decretação da arrecadação será contrária ao Direito, pois estará inquinada de má-fé, admitindo-se, inclusive, que diante de eventual turbação ou esbulho o Poder Público lance mão das ações possessórias contra aquele que viola sua posse legitima43.

Enfim, importa destacar o entendimento da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal de 4.ª Região segundo o qual o procedimento de arrecadação deve, necessariamente, incidir sobre a área integral do imóvel, o que implica reconhecer que, mesmo a ocupação parcial do imóvel, que, em relação ao restante de sua área total aparente estar abandonado, já é suficiente para impedir sua arrecadação. Ou seja, a arrecadação do imóvel em razão do abandono da propriedade só é cabível quando os requisitos legais para a arrecadação estejam presentes na integralidade do imóvel, pois, conforme ficou assentado no referido acórdão, entendimento contrário, além de fugir da previsão legal que autoriza a arrecadação, submeteria o procedimento a uma discussão prévia com posseiros sobre quais áreas efetivamente estariam sob sua posse e quais não, levando, ainda, a uma fragmentação tumultuada da propriedade44.

Não resta dúvida, portanto, que a posse, a qualquer título, ainda que apenas sobre parte do imóvel, mas desde que efetiva, qualificada por sua função social e anterior à decretação da arrecadação obsta a aplicação do instituto da arrecadação de imóveis urbanos privados abandonados, na forma da ressalva do art. 1.276, do CC. Assim, nos casos em que as circunstâncias fáticas permitirem o enquadramento dos ocupantes de determinado imóvel na condição de possuidores, sendo a posse justa ou não, mas efetiva, de acordo com o compromisso com a função social e estabelecida antes da decretação da arrecadação, não estará o imóvel ocupado sujeito à arrecadação como bem vago.

3.1. A impossibilidade de arrecadação dos imóveis urbanos privados abandonados ocupados por famílias de sem-teto

A conclusão acima não é suficiente para encerrar a discussão em relação às ocupações de imóveis urbanos em aparente estado de abandono por famílias sem-teto, pois, à luz do disposto no art. 1.208, do CC45, em regra, tais ocupações não dão ensejo ao estabelecimento de relações possessórias, mas sim, de mera detenção46. Isso porque a ocupação de imóveis urbanos privados em aparente estado de abandono por famílias sem-teto só pode ocorrer, com a permissão ou tolerância do real possuidor, ou, se sem a concordância daquele, mediante a invasão violenta ou clandestina do imóvel, causas que, de acordo com a norma do art. 1.208, do CC, não induzem a aquisição da posse.

A priori, portanto, a interpretação conjugada das normas contidas nos artigos 1.208 e 1.276, do CC, pode induzir a conclusão de que tanto as ocupações que decorrem da permissão ou tolerância do proprietário do imóvel, quanto as que têm origem na prática de atos de violência ou clandestinidade, por caracterizarem relações de mera detenção - não de posse -, per se, não impediriam a arrecadação do imóvel urbano ocupado. Todavia, algumas ressalvas precisam ser feitas a esse respeito.

O Código Civil reconhece três modalidades de detenções previstas como obstáculos legais à posse no Direito brasileiro47. As situações dos fâmulos ou servidores da posse, que exercem sobre a coisa, não um poder próprio - o que lhe difere da posse direta -, mas um poder dependente e a serviço da posse de outrem (art. 1.198, CC), o exemplo clássico de flâmulo da posse é o caseiro, que zela pela propriedade imóvel do patrão48. Em segundo lugar, a modalidade que decorre de violência, clandestinidade e precariedade ou abuso de confiança (arts. 1.200, do CC e 1.208, 2.ª parte, do CC)49. Primeiramente, convém apontar uma aparente contradição na redação do art. 1.200, do CC que, pode levar à suposição de que exista posse violenta, clandestina ou precária, quando, na verdade, os três fenômenos (violência, clandestinidade e precariedade) produzem "típica e flagrante detenção, e não posse"50. Por fim, a hipótese em que a detenção se origina em atos de mera permissão ou tolerância dos verdadeiros possuidores (art. 1.208, 1.ª parte, do CC). Em tais hipóteses, a detenção se consuma a partir de uma concessão provisória do real possuidor em favor do detentor, por natureza revogável a qualquer tempo ao arbítrio de quem a conferiu, refletindo, no mais das vezes, a intenção do real possuidor de prestigiar laços de amizade, familiaridade ou boa vizinhança, mas nunca a de renunciar aos direitos de posse ou propriedade.

Para os fins a que se propõe este estudo, basta dizer em relação à detenção subordinada, que contempla a figura do flâmulo da posse (art. 1.198, do CC), assim como nas hipóteses de detenção dependente (art. 1.208, primeira parte, do CC), nas quais a ocupação de um imóvel em aparente estado de abandono por famílias sem-teto se origina de atos de mera permissão ou tolerância do real possuidor do imóvel, ou por abuso de confiança, que ambas convivem com a posse legítima original, sem prejudicá-la. Nesses casos, onde há detenção, também há posse. Como defende Francisco Eduardo Loureiro, para obstaculizar a arrecadação de imóvel urbano como bem vago, não importa se a posse é dependente ou não51.

A experiência comum demonstra que, ordinariamente, as ocupações promovidas por famílias sem-teto têm origem em invasões a imóveis em aparente estado de abandono. Justamente por isso, insta salientar que o STJ tem jurisprudência firmada, com fundamento na norma do art. 1.208, do CC, afirmando que a invasão da propriedade privada é necessariamente clandestina ou violenta, razão pela qual não gera posse52 e, até que se prove o contrário, será de mera detenção a natureza da relação entre os ocupantes e o imóvel ocupado.

Assim, para fins de esclarecimento acerca da aplicação da norma do art. 1.276, do CC aos imóveis urbanos ocupados por famílias sem-teto, cabe, em primeiro lugar, destacar a ressalva positivada na parte final do art. 1.208 que reconhece a possibilidade de transmutação da detenção original em posse injusta a partir do momento em que, não havendo resistência do real possuidor, cesse a violência e/ou a clandestinidade, pois, como anteriormente demonstrado, uma vez que a norma do art. 1.276, do CC retira do alcance do instituto da arrecadação como bens vagos os imóveis que estejam na posse de outrem sem qualificar essa posse como justa ou injusta, de plano é possível concluir que os imóveis ocupados em relação aos quais esteja caracterizada a transmutação da detenção original em posse injusta não estão sujeitos à pretensão arrecadatória do Poder Público local.

Sendo assim, a questão principal deste estudo recai sobre a análise das hipóteses nas quais a ocupação dos imóveis urbanos em aparente estado de abandono esteja, justamente, na fase de transição compreendida no intervalo entre o esbulho da posse do possuidor original e a transmutação da mera detenção dos ocupantes em posse injusta. Como durante esse período o imóvel esbulhado permaneceria em poder dos seus ocupantes com fundamento em uma relação de mera detenção, a constatação da perda da posse pelo real possuidor em razão do esbulho promovido por aqueles que ocupam o imóvel, poderia induzir a conclusão de que haveria, em tais hipóteses, um vácuo na cadeia possessória que, em tese, permitiria a incidência momentânea das normas que disciplinam a arrecadação de imóveis urbanos abandonados.

Data vênia, não parece ser esta a melhor interpretação, pois, como destaca Dilvanir José da Costa, embora o detentor não possa alegar a posse sobre o imóvel em face da vítima do atentado à posse, "Em relação a terceiros, o ofensor goza de proteção possessória"53. Especificamente no que concerne às ocupações coletivas de imóveis em estado de abandono, incide o Enunciado 236, da III Jornada de Direito Civil, segundo o qual na interpretação dos artigos 1.196, 1.205 e 1.212, do CC, "Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica".

Vale lembrar que os regimes constitucionais da propriedade e da posse, orientados que são pelo princípio da função social, revelam que o núcleo da tutela constitucional sobre os referidos institutos vincula-se à adequada des-tinação dos bens imóveis. Adequação esta que deve ser aferida à luz de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade, consideradas as peculiaridades locais e as características e a natureza de cada imóvel54. Portanto, contanto que o detentor esbulhador comporte-se como possuidor, exercendo algum dos poderes inerentes a propriedade (art. 1.196, do CC) e conferindo-lhe uma destinação socialmente adequada, mesmo que a violência, a clandestinidade ou a precariedade sejam atuais, a destinação adequada da coisa por quem a detenha afasta a possibilidade da arrecadação do imóvel55.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) reconhece que "Demonstrada a ocupação dos imóveis, ainda que por terceiros, inviável sejam considerados bens vagos"56, pois, objetivamente, é o fato de estar o imóvel ocupado cumprindo sua função social que impede a sua arrecadação. Sob essa ótica, reconhecer que os imóveis ocupados por famílias sem-teto não estão sujeitos à arrecadação como bens vagos, independentemente de sua natureza jurídica de posse ou detenção, prestigia-se a função social da propriedade.

Corroborando a impossibilidade de arrecadação de imóveis que, apesar de estarem em aparente estado de abandono, estejam na posse de terceiros, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) afirma que "Mesmo que configurado o abandono do imóvel pelo proprietário, o fato de estar sendo ocupado por terceiros, que expressamente não concordam com a pretensão do INCRA, obsta a arrecadação do imóvel"57.

Logo, embora a lei não mencione a mera detenção como impedimento para a arrecadação, desde que observado o compromisso com a função social, esta também será obstáculo para a arrecadação do imóvel urbano aparentemente abandonado.

Sendo assim, apenas o comportamento que caracterize o abandono do imóvel por parte do detentor permitirá a legítima incidência do instituto da arrecadação, pois o ordenamento jurídico brasileiro impede a arrecadação do imóvel urbano que estiver cumprindo sua função social, independentemente do vínculo que une o imóvel à pessoa ser posse ou mera detenção.

CONCLUSÃO

Este trabalho explorou como temática central o instituto da arrecadação pelo Poder Público local de imóveis urbanos abandonados. Especificamente, a análise procurou investigar a repercussão da ocupação de imóveis urbanos em aparente estado de abandono por famílias sem-teto sobre o exercício da prerrogativa conferida, pelos arts. 1.276, do CC e 64 e 65, da Lei n.° 13.465/2017, ao Poder Público local para arrecadar como bens vagos os imóveis urbanos em estado de abandono.

A conexão entre o instituto da arrecadação de imóveis urbanos abandonados e a ocupação de imóveis em aparente estado de abandono por famílias sem-teto decorre do fato de que, ao menos em tese, a pretensão arrecadatória do Poder Público local e as ocupações promovidas por famílias sem-teto concorrem disputando os mesmos imóveis.

Considerando que a arrecadação pelo Poder Público local de imóvel urbano como vago depende necessariamente do imóvel em questão não estar na posse de outrem, o cerne do estudo desenvolvido fixou-se sobre a hipótese de que, como as ocupações por famílias sem-teto sobre imóveis urbanos em aparente estado de abandono, em regra, tem natureza jurídica de detenção - não posse - em teoria, não impediriam a arrecadação dos imóveis urbanos ocupados como bens vagos.

Entretanto, embora presumivelmente os imóveis urbanos ocupados por famílias sem-teto não estivessem a salvo da pretensão arrecadatória estatal, justamente, por em regra, induzirem relações de mera detenção, com fundamento nos argumentos expostos no decorrer do trabalho, ficou evidenciado que a leitura das normas de direito privado que disciplinam a arrecadação de imóveis urbanos abandonados, sob uma perspectiva constitucional, que prestigia a função social da propriedade como critério para o reconhecimento de proteção jurídica à posse e à propriedade, concluiu-se que, o que deve orientar a aplicação regular do procedimento administrativo de arrecadação é a identificação da ausência do exercício efetivo de algum dos poderes inerentes à propriedade sobre a coisa.

Esse entendimento, além de prestigiar a função social da propriedade e da posse, afasta o risco de que a implementação pelo Poder Público local de uma política de arrecadação de imóveis urbanos privados abandonados acabe incentivando a ocupação de imóveis particulares por famílias sem-teto na intenção de, através dessa prática, pressionar a Administração Pública local pela arrecadação dos imóveis ocupados. O que, na prática, poderia permitir que os movimentos organizados de famílias sem-teto escolhessem os imóveis que deveriam ser arrecadados como vagos.

Assim, conclui-se que, a ocupação por famílias sem-teto de imóveis urbanos em aparente estado de abandono, ainda que ocorra apenas sobre parte do imóvel, mas desde que seja efetiva, qualificada por sua função social e anterior à decretação arrecadação é suficiente para obstar a aplicação do instituto da arrecadação de imóveis urbanos privados abandonados.

Por fim, tendo em vista que a ocupação irregular do solo e o grande número de cidadãos que têm seu direito fundamental de moradia violado nas cidades são questões urbanas atuais e gravíssimas, o fato dos imóveis urbanos ocupados não estarem ao alcance da arrecadação com fundamento no art. 1.276, do CC não deve ser encarado como obstáculo a atuação do Poder Público local, nem justificar sua omissão diante de realidade fática que demande sua intervenção.

Em relação aos imóveis urbanos não edificados, subutilizado ou não utilizado, independentemente de estarem ocupados por terceiros, desde que amparado por lei local específica para área incluída no plano diretor, o Poder Público local poderá fazer uso dos instrumentos urbanísticos previstos no art. 182, §4.°, incisos I, II e III, da CRFB, e regulamentados nos artigos 5.° a 8.°, do Estatuto da Cidade (Lei n.° 10.257/2001), sucessivamente, parcelamento ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo e a desapropriação urbanística.

Especificamente em relação aos imóveis ocupados onde tenham surgido assentamentos ou núcleos urbanos informais, a Lei n.° 13.465/2017 regulamenta instrumentos de políticas de regularização e legitimação fundiária que devem pautar a conduta da Administração Pública municipal ou distrital no enfrentamento do tema.

Insta salientar que, em sendo os Municípios e o Distrito Federal responsáveis pela qualidade de vida dos cidadãos que residem nos seus territórios58, é essencial que, previamente à definição de quais medidas devem ser adotadas em relação às ocupações promovidas por famílias sem-teto, sejam os imóveis submetidos a vistorias a cargo de equipes multidisciplinares, que atestem as condições mínimas de habitabilidade do imóvel. Devendo ser analisados fatores como a segurança estrutural e as condições sanitárias do imóvel, para que se garanta o respeito à dignidade mínima existencial dos cidadãos. Pois, caso contrário, a ausência de condições mínimas de segurança e habitabilidade determinará a necessidade de remoção das famílias ocupantes do imóvel.


NOTAS

3 Fundação João pinheiro. Déficit Habitacional no Brasil 2015. Dados disponíveis: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=4&ved=2ahUKEwj6u_ZnpreAhU-PwlkKHSvFBCoQFjADegQIBRAC&url=http%3A%2F%2Ffjp.mg.gov.br%2Findex.php%2Fdocman%2Fdirei-2018%2F785-serie-estatistica-e-informacoes-n06-deficit-habitacional-no-brasil2015%2Ffile&usg=AOvVaw1D6L7KSj9-IXjxfim6vklC [acesso em: 22 out. 2018].
4 Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, vol. 5, São Paulo: Atlas, 2005.
5 Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a figura do abandono remonta aos primórdios do Direito Romano, quando, a partir da concepção de que, como em regra, a propriedade não poderia permanecer sem dono, o não exercício do domínio pelo proprietário dava causa à sua perda. Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 6.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 118.
6 O Código Beviláqua trazia uma regra específica para o abandono de prédio aforado. De acordo com o art. 691, "Se o enfiteuta pretender abandonar gratuitamente ao senhorio o prédio aforado, poderão opor-se os credores prejudicados com o abandono, prestando caução pelas pensões futuras, até que sejam pagos de suas dívidas".
7 Maria Helena Diniz, Código Civil Anotado, 17.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2014. p. 974.
8 Paulo Nader, Curso de Direito Civil, vol. 4, 2.ª ed., São Paulo: Forense, 2007, p. 166.
9 Cumpre esclarecer que, embora não se questione a possibilidade de abandono da posse, não se aplica à posse o instituto da arrecadação, que tem, por expressa disposição legal (art. 1.276, do CC), apenas a propriedade como seu objeto.
10 Insta salientar que de acordo com o disposto no art. 172, da Lei de Registros Públicos (Lei n.° 6.015/1973), a transferência da propriedade sobre coisas imóveis adquiridas a título originário - casos em que não há transmissão voluntária da propriedade entre o titular original da propriedade e o adquirente -, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para que tenham validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade, devem ser levados a registro e a averbação todos os títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, "inter vivos" OU "mortis causa".
11 Milena Donato Oliva e Pablo Rentería, "Autonomia privada e direitos reais: redimensionamento dos princípios da taxatividade e da tipicidade no direito brasileiro", Civilistica. com, n.° 2, Rio de Janeiro: Civilistica.com, 2016, p. 11. Disponível em: http://civilistica.com/autonomia-privada-e-direitos-reais/ [acesso em: 10 jun. 2018].
12 Maria Helena Diniz, óp. cit., p. 975.
13 Carlos Roberto Gonçalves, óp. cit., p. 332.
14 É justamente esta característica do abandono que o difere da renúncia à propriedade prevista no inciso ii, do art. 1.275, do CC, pois enquanto o abandono de bem imóvel não exige formalidades, posto que o proprietário sequer precisa declarar expressamente sua intenção de abandonar, a renuncia à propriedade de bem imóvel consubstancia-se em um ato expresso e formal (art. 108, do CC), materializado em instrumento público, através do qual o proprietário declara sua manifesta intenção de deixar de abdicar da propriedade sobre determinado imóvel e que, na forma do disposto no parágrafo único do art. 1.275, do CC, para produzir efeitos deve ser devidamente registrado no cartório de registro de imóveis com atribuição (STJ: REsp 1176013/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010).
15 Caio Mário Da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. 4, 21.ª ed., 2017, p. 200.
16 Recurso Especial - Negativa de Prestação Jurisdicional - Não Ocorrência - Ação de Inventário - Pretensão de um dos herdeiros de trazer à colação bem imóvel que teria sido abandonado pelo de cujus - Formalização do abandono de propriedade imóvel - Desnecessidade, para os fins colimados na presente ação - Aferição da existência de abstenção dos atos de posse pelo titular, com ânimo de abandonar - Necessidade - Recurso Especial Provido. I - Da análise acurada do artigo 589, III, do CC/1916, constata-se que a alteração do registro existente, como condição de consolidação da perda da propriedade, recai, tão somente, sobre as hipóteses de alienação e de renúncia. Em tais circunstâncias, portanto, o registro possui natureza constitutiva-negativa da propriedade; II - Em relação às hipóteses remanescentes (abandono e perecimento do imóvel), o preceito legal (§ 1°, do artigo 589, CC/1916), de natureza restritiva, não impõe a referida exigência. Quisesse o legislador (de 1916) exigir que o titular do bem imóvel, ao pretender abandoná-lo (situação eminentemente fática que é aferida por meio da abstenção de atos de posse do titular), formalizasse tal desiderato perante o registro, inseriria o abandono no referido § 1°, do artigo 589, CC/1916. Porém, caso assim procedesse, diferença alguma pairaria sobre a renúncia e o abandono de bem imóvel; III - Tem-se, portanto, que a alteração do registro, em razão do abandono da propriedade, não tem o condão de desconstituir a propriedade do titular, mas, sim, declarar a perda da propriedade daquele; IV - Não se pode exigir que o reconhecimento de abandono, para os fins colimados na presente ação, somente se dê, por exemplo, após a efetivação de procedimento formal de arrecadação do bem imóvel ao patrimônio público (o qual exige a constituição do débito tributário, adoção de medidas judiciais para caracterizar o bem como vago e, após três anos, viabilizar que o Poder Público possa incorporá-lo ao seu patrimônio), se as circunstâncias fáticas apontam em direção oposta; V - Em razão do fundamento adotado pelas Instâncias ordinárias (que ora se afasta), não se perscrutou, como seria de rigor, se houve ou não, por parte do de cujus, ao longo desse período, efetiva abstenção de atos de posse, com intenção de abandonar o bem. Aos que alegam a perda da propriedade, dever-se-ia conferir oportunidade para demonstrar, por exemplo, o não pagamento de encargos fiscais incidentes sobre o imóvel (pelo de cujus ou por seus herdeiros), inexistência de atos de disposição etc.; VI - Para a presente ação de inventário (em que se verificará se referido bem deverá ser trazido à colação ou, em razão de eventual reconhecimento de abandono daquele, tão somente o produto da ação indenizatória), a demonstração dos fatos alegados é imprescindível para o reconhecimento ou não do instituto do abandono de propriedade imóvel; VII - Recurso Especial provido. (REsp 1176013/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 01/07/2010).
17 Gustavo Tepedino, Comentários ao Código Civil: direito das coisas, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 473.
18 Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, Curso de Direito Civil: Reais, 8.ª ed., Salvador: JusPodium, 2012, pp. 502-503.
19 Sobre a divergência na doutrina acerca da constitucionalidade da norma do §2.°, do art. 1.276, do CC, entendemos que a norma do §2.°, do art. 1.276, do CC não altera a estrutura do conceito tradicional de abandono, que pressupõe a junção do comportamento do proprietário de desistir do bem (elemento objetivo) e a intenção de fazê-lo (elemento subjetivo), mas, apenas autoriza que, à luz das circunstâncias que especifica, quais sejam, a cessação dos atos de posse e o inadimplemento dos ônus fiscais, presuma-se a intenção do proprietário de abandonar o imóvel no caso concreto.
20 Fundação João Pinheiro, óp. cit.
21 Segundo o IBGE, unidade vaga é "aquela que estava desocupada na data base da pesquisa". Difere da unidade fechada, que é aquela onde, mesmo ocupada, não foram encontrados moradores no período de coleta da pesquisa. Sobre elas não existem informações detalhadas. É possível apenas a identificação de características das unidades domiciliares vagas mediante o uso da variável "tipo de entrevista", na qual o pesquisador de campo assinala as que estavam em condições de serem habitadas, as de uso ocasional, as em ruínas e as em construção ou reforma.
22 De acordo com os critérios utilizados no desenvolvimento da pesquisa compreende-se como: a) ônus excessivo do pagamento de aluguel, que corresponde ao número de famílias urbanas com renda familiar de até três salários mínimos que moram em casa ou apartamento (domicílios urbanos duráveis) e que despendem mais de 30% de sua renda com aluguel; b) residência em condições de coabitação, que compreende a soma das famílias conviventes secundárias que vivem junto à outra família no mesmo domicílio e das que viviam em cômodo; c) habitações precárias; que considera os domicílios rústicos e os domicílios improvisados; d) adensamento excessivo em domicílios urbanos próprios, quando os domicílios próprios possuem mais de três moradores por dormitório.
23 Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=2ahUKEwi084uYx6reAhWKiZAKHXh2Dh0QFjAAegQICRA-C&url=https%3A%2F%2Fwww.defensoria.pb.def.br%2Fcriative%2FDocumentos%2F-Cartilha-campanhanacionaldefpublico2010.pdf&usg=AOvVaw2tv1liTtmdQGv9aUkbbSk [acesso em: 22 out. 2018].
24 Alexandre Bernardino Costa e Rafael de Acypreste, "Ações de reintegração de posse contra o movimento dos trabalhadores sem teto: dicotomia entre propriedade e direito à moradia, Revista de Direito da Cidade, vol. 08, n.° 4, Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016, p. 1851.
25 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) - Apelação Cível 70028817336 - 2.ª Câmara Cível -Julgada em 22/09/2010, publicada no dia 18/10/2010.
26 STF - ADI 2213, Rel. Min. Celso de Mello, Data de Julgamento: 02/03/2009, Data de Publicação: DJe-067 10/04/2009.
27 STF - MS: 32.752 DF - 9956387-74.2014.1.00.0000, Rel. Min. Celso de Mello, Data de Julgamento: 07/04/2015, Data de Publicação: DJe-067 10/04/2015.
28 Agravo de instrumento. Decisão que, em ação de reintegração de posse, deferiu a liminar, entendo como presentes os requisitos legais. Manutenção. O direito à moradia deve ser resguardado dentro de determinados limites, e não de forma absoluta. No caso, o objeto do litígio é uma casa integrante do Programa de Apoio ao Desenvolvimento dos Municípios, entregue pela Secretaria Municipal de Ação Social a família de baixa renda cadastrada no Cadastro Único do Governo Federal. Assim sendo, é possível que o Município exerça o seu direito de reintegração se verificado o esbulho. Tomando ciência da invasão, após os beneficiários terem abandonado o imóvel, a edilidade tratou de buscar soluções para o ocorrido, tendo, inclusive, efetivado notificação extrajudicial (fl. 30 do anexo 1) para a desocupação indevida. Precedentes jurisprudenciais que confirmam a decisão agravada. Aplicação do artigo 557, caput do cpc. (TJRJ, 3.ª Câmara Cível. Apelação Cível n.° 002281042.2015.8.19.0000, Rel. Des. Helda Lima Meireles. DJ: 22.06.2015).
29 TJRJ: Apelação Cível n.° 0005152-38.2007.8.19.0209 - Des (a). Maria Inês Da Penha Gaspar - Julgamento: 07/03/2018 - Vigésima Câmara Cível; / TJRS: Apelação Cível n.° 70060857752, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alex Gonzalez Custodio, Julgado em 23/11/2016.
30 TJMG: Agravo de Instrumento n.° 5197826-15.2000.8.13.0000 - Julgamento: 09/11/2005, data de publicação 17/02/2006.
31 TJMG: Agravo de Instrumento n.° 5197826-15.2000.8.13.0000 - Julgamento: 09/11/2005, data de publicação 17/02/2006.
32 Alexandre Bernardino Costa e Rafael de Acypreste, óp. cit., p. 1851.
33 Nesse ponto, há de se fazer uma ressalva, pois, enquanto a arrecadação de imóveis urbanos abandonados tem como objeto apenas imóveis privados, as ocupações por famílias de sem-teto não distinguem imóveis públicos e privados.
34 Cabe destacar que, ao afastar a possibilidade de arrecadação pelo Poder Público local de imóveis abandonados que estejam na posse de terceiros, o art. 1.276, do CC inovou em relação ao texto anterior que positivara o instituto da arrecadação no corpo do Código Civil de 1916. Uma inovação em relação ao regime anterior que prestigia a posse, pois a lei considera a posse de terceiros sobre o imóvel fator suficiente para conceder função social à propriedade, determinando a exclusão da pretensão à titularidade pelo Poder Público. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, óp. cit., p. 406.
35 Carlos Roberto Gonçalves, óp. cit., p. 137.
36 Luiz da Cunha Gonçalves, Princípios de Direito Civil Luso-brasileiro, vol. 1, n.° 175, São Paulo: Max Limonad, 1951, p. 406.
37 Teori Albino Zavascki, "A tutela da posse na Constituição e no projeto do Novo Código Civil", Revista Direito e Democracia, vol. 5, n.° 1, São Paulo: Revista Direito e Democracia, 2004.
38 V Jornada de Direito Civil / Organização Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr. - Brasília: CJF, 2012. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-cej/vjornadadireitocivil2012.pdf [acesso em: 02 mar. 2018].
39 Marco Aurélio Bezerra de Melo, Novo CC. Anotado, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 99.
40 Francisco Eduardo Loureiro, Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, 7.ª ed. rev. e atual, Barueri: Manuele, 2013.
41 Ibíd., p. 1274.
42 Gustavo Tepedino, óp. cit., p. 485.
43 Por outro lado, a posse pretérita à decretação da arrecadação deve ser prestigiada e protegida pelo Direito, inclusive admitindo-se o manejo pelo possuidor de ações possessórias em face do ente arrecadante, posto que esta não se torna de má-fé apenas por ter sobrevindo à arrecadação.
44 TRF-4-APELREEX: 50016846920104047211 SC - 5001684-69.2010.404.7211, Relator: Candid Alfredo Silva Leal Junior, Data de Julgamento: 15/09/2015.
45 Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
46 Segundo "as modalidades de detenções previstas no Código ou os obstáculos legais à posse em nosso direito: a) as resultantes de violência, clandestinidade e precariedade ou abuso de confiança (arts. 489 e 497, 2.ª parte); b) as situações dos fâmulos ou servidores da posse, que a exercem em nome de outras pessoas (art. 487); c) os atos decorrentes de mera permissão ou tolerância dos verdadeiros possuidores (art. 497, 1.ª parte)".
47 Dilvanir José da Costa, "O Sistema da Posse no Direito Civil", Revista de Informação Legislativa, n.° 139, Brasília: Revista de Informação Legislativa, 1998.
48 Enunciado 493, da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: "O detentor (art. 1.198, do CC) pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder".
49 Segundo Dilvanir José da Costa, a violência é o mais grave dos atentados contra a posse, pois se traduz na tomada da posse pela força ou intimidação, sendo certo que, "Logo que praticado e consumado o esbulho, o esbulhador se apresenta como o mais típico detentor da coisa em face do possuidor esbulhado", observando que "a mera detenção violenta, se não enfrenta reação do ofendido, vai transformando-se na mais típica posse animo domino, gerando usucapião se atendidos os demais requisitos". Quanto à clandestinidade, o autor esclarece que esta se concretiza pela ocupação da coisa sem o conhecimento do real possuidor, caracterizando-se como mera detenção "até que, pela publicidade ou notoriedade e a falta de reação, transmuda-se em posse com os mesmos efeitos da ocupação violenta sem reação." Por fim, o autor destaca que a chamada "posse precária" é aquela "que resulta do abuso de confiança do possuidor que, finda a posse concedida sob condição, recusa-se a restituir a coisa, transformando-se em detentor e esbulhador ipso facto". Dilvanir José da Costa, óp. cit., p. 112.
50 Ibíd.
51 Francisco Eduardo Loureiro, óp. cit., p. 1274.
52 Processual - Interdito Proibitório - Invasão - Posse - Ato Clandestino ou Violento - Poder de Polícia - Código Civil, arts. 65 e 497. I - O art. 65 do Código Civil não veda ao Distrito Federal o exercício do poder de polícia em relação ao uso dos imóveis urbanos, nem outorga posse a invasores confessos. A ampliação do dispositivo legal evidentemente o maltratou. II - Em nosso direito positivo vige a regra de que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos ou clandestinos (CC, art. 497). Ora, a invasão é necessariamente clandestina ou violenta, não pode, assim, gerar posse. REsp 219.579/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 26/09/2000, DJ 04/12/2000, p. 55.
53 Dilvanir José da Costa, óp. cit., p. 112.
54 Já Marco Aurélio Bezerra de Melo (óp. cit., p. 20); Flávio Tartuce e José Fernando Simão (Direito civil - Série Concursos Públicos, São Paulo: Método, 2008, p. 53); e Sílvio de Salvo Venosa (óp. cit., p. 88) entendem que a análise da cessação dos vícios e a possibilidade de convalidação ou não deve ser feita à luz da função social da posse, diante de caso a caso.
55 A conclusão seria outra, caso a conduta do detentor esbulhador se revele própria de quem abandona a coisa, pois, uma vez caracterizada a cessação dos atos de posse, não haverá obstáculo à arrecadação do imóvel urbano abandonado.
56 TJSP - APL 0002778-07.2012.8.26.0459; Ac. 9709104; Pitangueiras; Nona Câmara de Direito Público; Rel. Des. Rebouças de Carvalho; Julg. 17/08/2016; DJESP 31/08/2016; e TJSP - Apelação Cível, 0005732-37.2009, Relator Lineu Peinado, j. 11/09/2011.
57 TRF-4 - APELREEX: 50016846920104047211 SC - 5001684-69.2010.404.7211, Relator: Candid Alfredo Silva Leal Junior, Data de Julgamento: 15/09/2015, Quarta Turma.
58 A jurisprudência dos tribunais pátrios aponta que não é função do Poder Judiciário instalar comunidades de sem-terra ou sem-teto em substituição à Administração Pública. Isso porque não cabe ao Poder Judiciário, ainda que ao argumento da efetivação do direito de moradia, dar respaldo a pretensões que são de competência do Poder Público, que deve adotar as medidas que entender cabíveis, seja para adquirir a área em conflito para fins de reforma habitacional ou destinar área pública a esse fim.


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